Apenas três dias depois do edital de licitação publicado, a privatização do Complexo de Esporte e Lazer do Cave, com abertura das propostas marcada para o dia 29 de março, foi temporariamente suspensa pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, em votação unânime dos seis conselheiros em atividade – Anilceia Machado está afastada por problemas de saúde. O plenário aceitou a recomendação do conselheiro Renato Rainha para suspender o processo até ouvir o presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas, que alega irregularidade na inclusão do Teatro de Arena no projeto, pelo fato de ser um espaço cultural, o que é vedada sua transferência ou demolição sem que seja viabilizado outro espaço público com os mesmos objetivos, segundo prevê a Lei Orgânica do Distrito Federal e a Lei Orgânica da Cultura do DF. O Conselho de Cultura do Guará alega também que a única audiência pública promovida pelo governo em 2017 para discutir e votar o projeto teria recusado a proposta por maioria de votos dos presentes.
Foi estipulado o prazo de 10 dias para a oitiva, a contar da data da publicação da decisão, ou seja, Rênio deverá ser ouvido entre os dias 7 e 9 de março.
A contestação do Conselho de Cultura havia sido protocolada no Tribunal de Contas no ano passado, mas somente foi levada ao plenário após o lançamento do edital de licitação para a escolha do concessionário, publicado no Diário Oficial do DF no dia 21 de janeiro. O projeto havia sido liberado pelo TCDF à Secretaria de Esporte e Lazer, responsável pela licitação, no início de fevereiro, após o atendimento dos últimos questionamentos feitos pelo relator do processo, conselheiro Manoel Andrade, o Manoelzinho.
Argumentação não aceita
Rênio alega que chegou a argumentar com o conselheiro Manoelzinho sobre as irregularidades apontadas pelo Conselho de Cultura, mas a argumentação não foi aceita. “Estivemos eu, o vice-diretor do Conselho, Lucas Rafael, e o diretor de Cultura do Guará, Julimar dos Santos, com ele, que chegou a nos prometer que não liberaria o projeto sem atender nossa demanda. Mas, para nossa surpresa, o projeto foi liberado assim mesmo”, diz Rênio. O presidente do Conselho de Cultura afirma que também encaminhou a mesma reclamação à Secretaria de Esporte e Lazer e recebeu a informação que o processo tinha sido analisado e liberado pelo Tribunal de Contas sem restrições.
Além da inclusão do Teatro de Arena e do que considera desrespeito ao resultado da votação da audiência pública, o Conselho de Cultura também quer saber quais as contrapartidas sociais para o morador do Guará que não possa pagar pelo uso do espaço depois de privatizado. “Se não houver contrapartidas, será um clube de rico, usado apenas por quem tiver dinheiro”, critica o presidente do Conselho.
O conselheiro Renato Rainha informou à reportagem do Jornal do Guará que propôs a suspensão do processo de privatização para que os conselheiros possam ouvir os argumentos do Conselho de Cultura e depois as respostas do governo. “Em princípio, pelo que me foi apresentado, a Lei Orgânica da Cultura está sendo contrariada no caso do Teatro de Arena. E não podemos deixar que essas dúvidas permaneçam”. Relator do processo no TCDF, o conselheiro Manoel Andrade informou à reportagem que acatou a decisão do plenário, “para evitar questionamentos jurídicos futuros ao processo”, mas que não viu irregularidades na documentação apresentada pela Secretaria de Projetos Especiais para análise do tribunal.
Governo vai insistir na privatização
A possível suspensão do processo de licitação não deve fazer o governo recuar da privatização do Complexo do Cave. Questionadas, as secretarias de Projetos Especiais (SEPE), responsável pela elaboração do projeto, e a Secretaria de Esporte e Lazer (SEL), responderam ao Jornal do Guará que aguardam a decisão do TCDF a ser tomada após a oitiva do presidente do Conselho de Cultura do Guará para decidirem que providências tomar. Se os conselheiros não virem irregularidades no processo, a licitação fica mantida para o dia 29 de março.
Técnicos que participaram da elaboração do projeto, ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato, não acreditam que o TCDF venha a suspender a privatização definitivamente. “Há dois anos que o projeto vem sendo dissecado pelos conselheiros do tribunal e todas as exigências foram atendidas. E o Teatro de Arena é considerado um espaço poliesportivo e não cultural. E mesmo se fosse considerado cultural, ele não será extinto e nem vai mudar de lugar. Portanto, não há fato novo”, garante um deles. Outro técnico avalia que, se houver decisão contrário do tribunal, o governo faria apenas a adequação do projeto com a retirada do Teatro de Arena. “Lógico que teríamos que recalcular a viabilidade econômica para não inviabilizar o interesse na concessão, mas a decisão de privatizar o Cave continua por parte do governo”.
O que é a PRIVATIZAÇÃO DO CAVE
Concluído o projeto técnico em 2017, somente agora é que o governo conseguiu publicar o edital para a escolha do Complexo de Esporte e Lazer do Cave, que envolve uma área de 393.778,772 metros quadrados, que inclui o ginásio coberto, o clube de vizinhança, o Teatro de Arena, as pistas de bicicross e skate, as quadras poliesportivas e o estádio.
De acordo com o edital, marcado para ser aberto no dia 29 de março, a concorrência será por “Oferta de Maior Percentual sobre a Receita Operacional Bruta, para pagamento de outorga variável pela concessão onerosa de obra pública”. Ou seja, quem oferecer a melhor proposta igual ou superior a R$ 31,7 milhões e se comprometa a revitalizar e reconstruir a maior parte dos equipamentos, o principal deles a reconstrução do Estádio do Cave, parcialmente demolido desde 2016.
O projeto prevê, além da reconstrução do estádio, a construção de um novo ginásio de esportes coberto em outro local, um clube social, uma espécie de shopping com lojas, academias, restaurantes e outros serviços.
O novo Cave será dividido em três áreas: a social do clube, a esportiva e o estádio. A primeira área, onde estão atualmente o ginásio coberto, o Centro de Convivência do Idoso (CCI) e o Clube de Vizinhança, que serão demolidos, vai abrigar a parte administrativa, o shopping, um espaço para eventos, piscinas, churrasqueiras, playground infantil, sanitários, vestiários e outros equipamentos. O teatro de arena não será demolido, mas revitalizado e o CCI será reconstruído pelo concessionário em outro local no próprio Cave.
A segunda área terá um ginásio poliesportivo coberto, a ser construído atrás do teatro de arena, campo de futebol, quadras de tênis, futevôlei, quadras poliesportivas, além das áreas de apoio com restaurante, sanitários, vestiários e quiosques com lanchonetes. As pistas de bicicross e de skate serão reconstruídas pelo concessionário fora do complexo privatizado.
A terceira área vai abrigar o estádio do Cave, que terá que ser praticamente todo reconstruído depois da frustrada reforma iniciada em 2016, quando foram demolidos os vestiários e a arquibancada coberta.
Projeto é de 2016
A privatização do Cave, também conhecida como “PPP do Cave”, se arrasta desde 2016, ainda no Governo Rodrigo Rollemberg, com a publicação do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), para obter estudos de modelagem técnica, econômico-financeira e jurídica para concessão do Complexo Esportivo e de Lazer do Guará. O certame foi vencido pela empresa do investidor Luis Felipe Belmonte, proprietário do clube de futebol profissional Real Brasília e que viria a ser eleito suplente do senador Izalci Lucas nas eleições de 2018. Desde então, o projeto técnico conduzido pela Secretaria de Projetos Especiais (SEPE) teve que passar por várias adequações exigidas pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, algumas sugeridas por moradores através de processo de participação aberto na Internet.
Depois de atendidas todas as sugestões do TCDF, o projeto foi encaminhado à Secretaria de Esporte Lazer no primeiro semestre do ano passado para a elaboração e o lançamento do edital para a escolha do concessionário do espaço pelo prazo de 30 anos, renovados por mais tempo se houver interesse das partes.
Estádio destruído e ginásio interditado
Parcialmente demolido em 2017, o estádio do Cave teve sua reforma paralisada um ano depois, em 2018, depois que a construtora contratada abandonou a obra apenas com o gramado implantado e iniciada a construção dos vestiários após erros técnicos na elaboração do projeto, que não foram corrigidas a tempo de aproveitar os recursos de R$ 6,6 milhões que seriam repassados pelo Ministério do Esporte para a reforma. A Novacap, responsável pela reforma, chegou a pagar cerca R$ 500 mil pela parte executada pela empreiteira, da contrapartida de R$ 2,2 milhões que seriam investidos pelo GDF.
Por causa das falhas do projeto, que provocaram aumento no custo na parte já executada da obra, a empreiteira solicitou um aditivo ao contrato, o que aumentou mais ainda a morosidade na conclusão das providências.
Quando tudo estava aparentemente resolvido, com a retomada das obras em abril de 2018, veio a notícia do cancelamento do repasse do Ministério do Esporte. Juntou-se a isso, os atrasos no pagamento das parcelas à empreiteira contratada.
De acordo com o projeto original da privatização do Cave, o estádio seria entregue já reformado ao concessionário, que agora terá que arcar com a reforma completa.
Já o ginásio coberto, interditado desde 2019 após a queda de uma árvore em seu telhado, será demolido para dar lugar ao clube social e ao shopping e praça de alimentação, e será reconstruído atrás do teatro de arena, com medidas oficiais para o recebimento de competições de várias modalidades esportivas – o ginásio atual tem medidas diferentes das oficiais e não há espaço na quadra para ampliá-las ou adequá-las.