Naquelas mesas foram fechados muitos acordos políticos e comerciais, namoros foram iniciados ou transformados em noivados, muitas amizades foram iniciadas ou consolidadas e muita conversa foi jogada fora, sempre regada com cerveja gelada, acompanhada de pratos ou tira-gostos com a qualidade que só tinha lá. Naquelas mesas se reunia o que pode se chamar de “sociedade guaraense”. Mas, naquelas mesas, ninguém se reúne mais. Aquelas mesas do Bar do Mané foram definitivamente recolhidas e o bar/boteco/restaurante mais antigo e mais tradicional do Guará fecha suas portas, após 31 anos no mesmo lugar, na QE 17.
Mas, diferente do que acontece com a maioria dos bares e restaurantes que encerram suas atividades, principalmente na pandemia, o fim do Bar do Mané não se dá por motivos financeiros. O Mané, ou Manoel dos Santos Freire, resolveu aposentar-se do ramo aos 68 anos e após 51 anos trabalhando em, e com, bar e restaurante. Em parte, por vontade própria, e em outra parte por pressão da família. Os quatro filhos e a esposa Maria Izabel deram o xeque-mate e exigiram que ele desse uma pausa na vida atribulada que consumia entre 10 e 18 horas diárias.
“Tudo na vida tem começo, meio e fim”, filosofa Mané para começar explicando a decisão de fechar o bar. “Resolvi aproveitar melhor o resto que tenho para viver com qualidade. Foi uma decisão muito difícil, porque é quase metade da minha vida aqui, mas o cerco da família vinha se fechando. Não deu mais para protelar”, completa.
Negócio mais tranquilo
O fechamento do bar coincide com a abertura do Mercado das Bebidas, um misto de comércio de embalagens e produtos para casa com bebidas e hortigranjeiros, na QE 19. “O mercado não exige tanto a minha presença. Lá tenho pessoas da minha confiança, que trabalham comigo há muitos anos, que conseguem tocar o negócio. Vou ter tempo para dedicar-me mais à minha família, viajar, passear quando quiser…”, afirma Mané, lembrando que nunca conseguiu tirar mais que cinco dias de férias. “Nem a formatura em Medicina da minha neta consegui participar, porque tive que resolver um problema no bar. Isso me deixou muito sentido e apressou a decisão de me aposentar”.
Mané diz que chegou a pensar e até a anunciar a venda do ponto e das instalações, mas desistiu depois que as melhores ofertas incluíam a permaneçam da marca “Mané”. “Não daria certo, porque os clientes iriam cobrar a minha presença e exigir o mesmo tratamento que dedico a eles, o que não seria possível. O meu bar não é o mais frequentado do Guará, mas com certeza é o que oferece o tratamento mais pessonalizado de todos eles”, garante.
“Estou deixando tudo redondinho, sem qualquer dívida na praça, todos os direitos dos 16 funcionários acertados e pagos. Saio do ramo com a sensação do dever cumprido, com amor e louvor, Claro, que com pesar, mas vou me acostumar”, desabafa Mané da Codorna, apelido que incorporou e talvez carregue por algum tempo.
Lamento de clientes e funcionários
Mesmo com seu jeitão meio bronco, dos tempos de infância sofrida do interior do Tocantins, Mané tem o carinho e reconhecimento dos seus funcionários – alguns o acompanham por muitos anos, como é o caso da garçonete Elma Pereira da Costa, há 13 anos na casa. “Por trás das broncas e das cobranças, havia sempre a intenção de nos ensinar a trabalhar e a oferecer o melhor atendimento aos clientes. Além de muito justo, Mané foi sempre muito honesto com todos os seus funcionários”, conta Elma, emocionada. Também com 13 anos de casa, a cozinheira Joana de Sousa Costa diz que entende a decisão de Mané, “que precisa realmente aproveitar melhor a sua vida. Todos nós sentimos muito, mas sabemos que é o melhor pra ele”.
Mas, Joana e Elma, as funcionárias mais antigas, não ficar desamparadas. Mané está ajudando as duas a alugar e equipar um quiosque no Guará, onde vão poder continuar oferecendo a codorna, o pescoço de peru e outras iguarias apreciadas pelos clientes do Bar do Mané.
Para o casal Luis Salvador e Eva Rodrigues de Jesus, o fechamento do Bar do Mané é quase uma perda familiar. “Desde quando nos mudamos para o Guará há 19 anos, pelo menos duas as três vezes por semana frequentamos o Bar do Mané. Passou a ser a nossa segunda casa. Aqui, a nossa filha de 13 anos, cresceu”, lamenta Eva. “Mas o Mané merece esse descanso. Ficamos tristes, mas entendemos que é o melhor pra ele. Mas vai ficar um vácuo em nossas vidas”, completa Salvador.