Nem tudo é festa no carnaval. Organizar os desfiles da folia dá muito trabalho e muita luta com a burocracia, além de disputas políticas internas nas escolas de samba. Como o desfile das escolas de samba de Brasília não acontece desde 2014, a lacuna de atividades trouxe à tona as desavenças e brigas entre os carnavalescos. O caso mais significativo é justamente no Guará, onde uma nova escola de samba, a Lobo Guará, reivindica o direito de representar a cidade no carnaval, lugar que há 34 anos é da Império do Guará, no Grupo Especial, elite do desfile no Distrito Federal.
O imbróglio começou com a saída da Império do Guará da Uiesbe, a União das Escolas de Samba e Blocos de Enredo do Distrito, que é a entidade responsável pelo carnaval de Brasíliam substituta da antiga Liga Independente das Escolas de Samba de Brasília, a Liesb. A Uniesbe é quem determinou que apenas uma entidade por cidade poderia desfilar, como forma de evitar que fossem criadas inúmeras escolas fantasmas, com fins lucrativos e que deixassem dívidas. A Império do Guará solicitou a desfiliação da Uniesbe para filiar-se à Liestra, a Liga Independente das Escolas Tradicionais de Samba de Brasília, com outras escolas antigas de Brasília, como a Acadêmicos da Asa Norte, ARUC e Capela Imperial de Taguatinga. Porém, passou pouco tempo na nova entidade e acabou fundando a sua própria associação, a Abessa, a Aliança Brasiliense às Escolas de Samba do DF, composta por enquanto apenas pela Império do Guará.
Perdeu o lugar
Como a Império do Guará pediu a desfiliação da entidade que organiza oficialmente o carnaval de Brasília, a cidade ficou sem representante, como explica o vice-presidente da Uniesbe, Adriano Galli Gardini: “Quem escolheu sair da liga foi a Império do Guará, o que abriu espaço na cidade para outra escola”.
Mas, a Império do Guará inda questiona a decisão. “Hoje estamos na justiça, tentando receber o recurso que foi destinado à Império do Guará. Precisamos comprar instrumentos, reestruturar a escola, oferecer aulas para a comunidade, comprar carros alegóricos e pagar dívidas. Nossa escola está viva e não vamos participar dessas negociatas no carnaval de Brasília”, indigna-se o presidente da escola, Edvaldo Silva. Ele explica que, sem desfilar há anos, o Governo do Distrito Federal destinou uma verba para a reestruturação das escolas, o que gerou o conflito e o pedido de desfiliação da Império do Guará da Uniesbe. “O GDF repassou dinheiro para as escolas de samba e os dirigentes dessa liga, junto com produtores de pagode de Brasília, que as usaram para outras coisas. Nas nossas contas, a Império do Guará deveria ter recebido R$ 171 mil. Os executores do projeto fizeram uma proposta de repassar bem menos, desviando o dinheiro para outras instituições ou finalidades, o que não aceitamos”, afirma Edvaldo. O presidente da Império do Guará ainda acusa a Liga de não ter repassado até hoje R$ 50 mil de uma apresentação em fevereiro de 2020, na região central de Brasília. A Uniesbe, por outro lado, se defende dizendo que a Império do Guará não quis ajustar seu plano de trabalho para receber os recursos da Secretaria de Cultura em 2022, e por isso o documento não foi aprovado. “A Império do Guará ficou de fora do projeto, que previa mais de 50 lives das escolas de samba do DF, porque se recusou a seguir as regras da Secretaria de Cultura, como todas as outras escolas fizeram. E sobre o dinheiro da apresentação em 2020, ele nunca saiu por problemas burocráticos. Nenhuma escola recebeu”, garante Adriano Galli.
Mas, o que a Império do Guará não esperava era que outra escola fosse fundada na cidade, reivindicando para si o direito de representar a Região Administrativa. “A comunidade que vive o samba no Guará foi surpreendida com o anúncio da transformação do bloco carnavalesco Gigantes da Colina, ligado à torcida do clube carioca Vasco da Gama no Distrito Federal, em uma escola de samba, com sede no Guará e que estaria representando a nossa cidade no carnaval do DF. É impossível que esse bloco carnavalesco represente o Guará, já que não pode uma cidade ter mais de uma escola de samba. Esse movimento da Liga em incentivar uma segunda escola dentro do Guará fere o seu próprio regimento”, afirma Edvaldo.
Lobo Guará
Na semana passada, 22 de maio, foi eleita e empossada a nova diretoria do Grêmio Recreativo Escola de Samba Gigante da Colina, nome oficial da escola de samba Lobo Guará. Participam da diretoria da nova escola os ex-integrantes da diretoria da Império do Guará, responsáveis pela ascensão da antiga escola à elite do carnaval brasiliense. Estão à frente da Lobo Guará, Mário Antônio de Oliveira Santos e José Maria de Castro, presidente e vice da nova escola. A primeira apresentação oficial da escola com a nova diretoria aconteceu dois dias depois, em um show para o vice-governador do DF. Paco Britto, e outras autoridades.
A Lobo Guará foi convidada para representar a cidade na Uniesbe. A Gigante da Colina já era filiada à entidade e representava o SIA no grupo de acesso do carnaval de Brasília, já como escola de samba. “A decisão de representar as Regiões Administrativas é exclusiva da Uniesbe. Não cabe a nenhuma agremiação do DF contestar a autenticidade do GRES Gigante da Colina, sendo uma falta de classe de quem partir desse princípio”, afirma o vice-presidente da Lobo Guará, José Maria. Ele garante que o erro foi da Império do Guará que decidiu se desfiliar da entidade que organiza o carnaval de Brasília e achar que poderia tocar o carnaval sozinha. “Na reunião que tive com o presidente do Império do Guará, esclareci que não temos problemas nenhum com eles e que as pendências teriam que ser tratadas na Uniesbe”.
Hoje, para a Uniesbe, a Lobo Guará, antiga Gigante da Colina, é a representante da cidade no carnaval de Brasília e vai desfilar no grupo de acesso no próximo carnaval. A Império do Guará promete judicializar a causa para manter seus mais de 30 anos de tradição na cidade.