DESCANSO PARA OS CAVALOS – Carroceiros do Guará trocam animais por veículos elétricos, doados pelo GDF

Quase seis anos depois da aprovação da lei que proíbe a utilização de animais como tração de carroças, o Governo do Distrito Federal

Quase seis anos depois da aprovação da lei que proíbe a utilização de animais como tração de carroças, o Governo do Distrito Federal finalmente começa a cumpri-la. E começou pelo Guará. Nesta sexta-feira, 9 de julho, será entregue o segundo Ponto de Entrega Voluntária da cidade e, junto com ele, começa um projeto piloto, que substitui as carroças por veículos elétricos no DF, utilizando a mão de obra dos ex-carroceiros.
A parceria entre o Serviço de Limpeza Urbana e a Cooperlimpo, uma cooperativa de reciclagem, vai possibilitar que os próprios carroceiros e os recicladores administrem o novo PEV, ao lado do 4ª Batalhão da Polícia Militas. O local é onde os moradores devem descartar entulho de construção, restos de poda e jardinagem, móveis e eletrodomésticos antigos e outros materiais descartados que não podem ser levados pelo caminhão de coleta regular. Agora, os moradores poderão contratar o serviço porta-a-porta direto da cooperativa, que utilizará os veículos elétricos. O investimento inicial é de R$ 300 mil, através de emenda parlamentar do deputado distrital guaraense Rodrigo Delmasso, e servirá como piloto para ser estendido a mais carroceiros e a outras regiões do DF, após seis meses de avaliação do seu funcionamento.


O projeto Autoeco adquiriu cinco veículos elétricos, sendo três deles para cargas até 300kg (que já chegaram), e outros dois para cargas maiores, de até 600kg (que serão entregues ainda este mês). Os veículos têm autonomia de até 75 km, e andam a uma velocidade de até 35 km/h. Os veículos ficarão guardados e passarão por manutenção no próprio PEV. Conhecidos como tuk-tuk, os veículos vão atender a demanda de pedidos de moradores feitas por telefone para a coleta de restos de construção civil e de poda árvores.
“Trocaremos cavalos e carroças pelos tuk-tuks, carrinhos amarelos e elétricos. O morador poderá determinar que a gente busque resíduos da construção civil, poda de árvores e resto de móveis usados até o nosso ponto de entrega voluntária (PEV)”, explica o diretor presidente do SLU, Silvio Vieira. “É um projeto muito simples, mas que vai ser de uma importância muito grande”, completa.
A lei que proíbe animais como tração no DF é 2016 (Nº 5.756), de autoria do ex-deputado distrital Joe Vale, e foi regulamentada em 2019, através do decreto 40.366. Desde então, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios tem exigido o cumprimento da norma por parte do GDF.

Como vai funcionar

Atuarão dez ex-carroceiros no projeto – um gestor, cinco operadores de veículos e quatro operadores do PEV -, que receberão uma bolsa de R$ 1,9 mil por mês, além do lucro da comercialização dos recicláveis e do frete que será dividido com os cooperados. A seleção dos participantes será feita pela cooperativa Cooperlimpo, selecionada em chamamento público, em parceria com a associação dos carroceiros e com intermediação do SLU.
Qualquer morador do Guará poderá solicitar por telefone a coleta de entulho, inservíveis, podas e galhadas na porta de casa. Os preços serão os mesmos já praticados pelos carroceiros.

Carroças proibidas

Ganha-pão de milhares de trabalhadores informais, mas, ao mesmo tempo responsáveis pela sujeira de áreas públicas, principalmente no Guará, as carroças, pelo menos as conduzidas por animais, já deveriam ter desaparecido das ruas do Guará. Afinal, o decreto nº 40.336 de 23 de dezembro de 2019, que regulamenta a Lei das Carroças, proíbe a circulação de veículos de tração animal em áreas urbanas, e proíbe também a permanência de animais (equinos, caprinos, bovinos e ovinos) amarrados em vias públicas.
Aprovada em 2016, a lei estipulava dois anos para sua entrada em vigor, ou seja, janeiro de 2020, mas repassava ao governo a missão de providenciar a regulamentação e as medidas de apoio aos profissionais que dependiam da atividade. Deliberadamente ou não, o governo foi adiando as providências até que a Vara do Meio Ambiente da Justiça do DF estipulou o limite em 20 de dezembro de 2020, mas até hoje a lei não foi implementada do DF.
A ação fui ajuizada pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. Na decisão, o juiz destacou que o prazo para legislação começar a valer “escoou há muito tempo”. “[…] de lá para cá, a Administração dispôs de tempo mais que suficiente para empreender as providências determinadas pelo legislador. Se não o fez, deve arcar com as consequências jurídicas de sua omissão.”
Para os autores da ação, a ordem para o GDF regulamentar a lei “representa um avanço na proteção desses animais”. Além da proibição das carroças, explica a advogada do fórum, Ana Paula de Vasconcelos, é importante que o governo elabore um plano alternativo para inserção de carroceiros no mercado formal de trabalho. “Não é só trocar a força animal pela humana, mas uma ação social maior, de organizar o trabalho dos carroceiros. E a gente espera que o governo viabilize também o acolhimento dos animais.”
A lei, aprovada pela Câmara Legislativa e sancionada pelo ex-governador Rodrigo Rollemberg, seguiu recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que solicitou ao GDF ações para retirar todos os veículos de tração animal de áreas urbanas do DF. E também criou o Fundo de Amparo aos Animais de Tração (FAAT), destinado à melhoria do bem estar dos animais recolhidos, inclusive daqueles não utilizados para tração, e estabelece que o GDF deverá desenvolver políticas públicas para a formação e a qualificação de trabalhadores que desejem migrar do uso de carroças para a coleta seletiva de lixo por meio de outros meios de transporte ou outras atividades.

Guará, a região mais afetada

No Guará, as carroças ainda circulam livremente em todas as vias e são apontadas como as principais responsáveis pelo acúmulo de entulho e lixo em volta da cidade. Guará é, aliás, uma das poucas cidades que ainda permitem a circulação de carroças na parte urbana, o que acaba provocando também riscos de acidentes de trânsito.
As carroças no Guará são símbolo da inércia do governo. A sua circulação já era proibida, por lei de trânsito, em vias de grande tráfego de veículos, como a avenida contorno do Guará II e a via central. Ainda assim, os carroceiros desfilam livremente pela cidade sem ser incomodados pela fiscalização. Ao coletarem restos de poda, jardinagem, construção ou lixo, acabam despejando tudo no local mais próximo. A própria Administração Regional ajudou na construção de um curral público, próximo à QE 36, há cerca de dez anos, depois o transferiu para a área atrás da QE 38, e tentou ainda medidas paliativas, como emplacamento, vacinação e cadastramento dos carroceiros. Nenhuma das medidas surtiu efeito.
Dados da Federação de Defesa de Animais do DF contabilizam 15 mil cavalos na posse de carroceiros no DF. Por causa dos maus tratos a que são submetidos, a maioria só dura a metade do tempo de vida médio de um cavalo comum – cerca de 25 anos. Segundo a instituição, os animais são obrigados a trabalhar até a exaustão e estão quase sempre anêmicos e machucados. Os que são abandonados são levados para uma espécie de “santuário” da Secretaria de Agricultura.