Quem vai querer a Administração do Guará?

Vitrine política no passado, as administrações regionais foram esvaziadas com o tempo e transformadas em moeda de troca pelo apoio do governo no parlamento. O apadrinhamento à Administração do Guará pode ter sido um dos motivos da não reeleição de Delmasso

Cobiçadas por lideranças que buscavam visibilidade para se cacifar politicamente junto aos moradores e conseguir projeção, como foram os casos de Alírio Neto (Guará), Benedito Domingos (Taguatinga), Maria de Lourdes Abadia (Ceilândia), Valmir Campelo Bezerra (Gama, Taguatinga e Brazlândia), Hermeto (Candagolândia) e Odilon Aires (Cruzeiro), as administrações regionais perderam definitivamente esse encanto e esse poder. Pelo contrário, se transformaram em cemitério de políticos, que viram suas carreiras serem enterradas depois de apostar no apadrinhamento de administradores regionais ou até por terem assumido o próprio cargo. Dos nove ex-administradores que se candidataram nas eleições deste ano, apenas um, Daniel de Castro, de Vicente Pires, foi eleito, mesmo assim porque se beneficiou do resultado de investimentos de R$ 550 milhões nos últimos anos na melhoria da infraestrutura da cidade. Mais ninguém.
Fernando Fernandes, de Ceilândia, Gustavo Aires, de Samambaia, Alan Valim, de São Sebastião, Vânia Gurgel, da Estrutural, Marcelo Ferreira, do Lago Norte, Telma Rufino, de Arniqueira, Carlos Dalvan Soares, do Recanto das Emas, Sergio Damaceno, do Paranoá, Renato Andrade, de Taguatinga, e Telma Rufino, de Arniqueira, foram reprovados nas urnas e são os exemplos claros de que os moradores consideram cada vez mais as administrações regionais irrelevantes e que elas deixaram de ser vitrines para se transformarem em vidraças.
O exemplo mais próximo para o guaraense é o de Vânia Gurgel, que depois de ter sido administradora regional do Guará e da Estrutural no mesmo mandato (de Ibaneis), viu sua votação minguar de 4.854 votos nas eleições de 2018 para 1.694 em 2022, sendo que a aposta dela – e do meio político -, é que essa quantidade seria no mínimo triplicada, mas o efeito foi inversamente contrário. O segundo exemplo próximo é o do deputado Rodrigo Delmasso, que não conseguiu se reeleger, em parte por culpa do apadrinhamento de gestões apáticas na Administração Regional, mesmo tendo destinado mais de R$ 35 milhões em emendas parlamentares para investimentos na cidade. O desgaste para ele foi muito maior do que os benefícios políticos. Faltaram menos de 2 mil votos para o partido Republicanos eleger um segundo deputado distrital – o primeiro foi Martins Machado -, quantidade que seria facilmente possível se Delmasso não fosse o responsável pela indicação de administradores regionais que foram indiferentes ou criticados pelos moradores.
Mas, por que um órgão tão cobiçado no passado pela vitrine que representava, chegou a esse ponto?

Wellington Luiz e Hermeto são os deputados distritais eleitos que
teriam mais interesse em apadrinhar a Administração do Guará
Esvaziamento e cabide de emprego

Vamos por partes. Ao longo dos últimos anos, as administrações regionais têm sido esvaziadas pelo poder executivo. Aos poucos, foram perdendo poder, atribuições, cargos e orçamento e se transformaram em simples moeda de troca pelo apoio do governo na Câmara Legislativa ou no Congresso. Para os políticos que aceitam a oferta, as administrações representam um importante cabide de emprego para acomodar correligionários que trabalharam em suas campanhas e não podem ser acomodados em seus gabinetes.
Esse esvaziamento começou com a retirada do poder de fiscalização das administrações regionais com a criação da Agência de Fiscalização (Agefis), atual DF Legal. Com fiscais próprios, ainda era possível controlar e conter as invasões de áreas públicas na cidade, o que davam certo poder aos administradores regionais de atender às reclamações e denúncias dos moradores. Hoje, o máximo que as administrações podem fazer é encaminhar essas denúncias ao DF Legal e aguardar que o órgão inclua as operações em suas agendas. No Guará, por exemplo, uma invasão de área pública entre o Iapi, as quadras novas e o Núcleo Bandeirante prospera há dois anos, embaixo da rede de alta tensão de energia, e se intensificou nos últimos meses, sem que sejam tomadas providências mesmo com várias denúncias.
O esvaziamento continuou com a criação do programa GDF Presente, em que a manutenção das áreas públicas passou a ser responsabilidade dos Polos Centrais, equipados com máquinas, equipamentos e pessoal especializado. Ou, então, pela Novacap. O terceiro motivo desse esvaziamento administrativo foi a criação da Central de Aprovação de Projetos, para onde são encaminhados todos os pedidos da análise de licenciamento de obras, concessão de alvarás e aprovação de projetos a partir de um determinado tamanho, restando às administrações apenas o registro e o repasse dos resultados. Com isso, o corpo técnico das administrações regionais, formado por engenheiros, técnicos em edificações, por exemplo, passaram a ser dispensáveis e, quando existem, são ocupados por recém formados que aceitam salários muito aquém dos pagos pelo mercado privado, muito mais pela experiência do primeiro emprego. Exatamente por falta de um quadro técnico confiável é que todas as emendas parlamentares do deputado Rodrigo Delmasso para o Guará foram encaminhadas para serem executadas pela Novacap ou para outras secretarias, o que acabou por não serem reconhecidas pela população como destinação dele. A outrora Divisão de Obras, rebaixada para Seção de Obras, nada mais faz do que pontuais operações de tapa-buracos e recolhimento de entulho.

André Brandão, Rubens Mendes e Major Siqueira são nomes fortes caso haja apadrinhamento de deputado distrital
Benção ao deputado e não ao governador

A situação piorou ainda mais para as administrações regionais com a institucionalização do apadrinhamento político. Praticamente toda região administrativa é território de um determinado político, com direito a indicar o administrador regional e a maioria dos cargos de livre provimento (que não são de carreira). Isso acontece porque a Lei Orgânica do Distrito Federal é uma das mais parlamentaristas dos Estados brasileiros. Cria uma dependência muito grande entre o poder legislativo e o executivo. Por ter apenas 24 deputados distritais, o governador se vê obrigado a negociar o tempo todo com sua base para conseguir maioria entre os parlamentares para aprovar qualquer coisa na casa, seja orçamento, decretos, leis, aumentos de tarifas, enfim, qualquer medida que o governador ache necessária para Brasília, precisa passar pelo crivo dos deputados. E eles, obviamente, têm interesses próprios. Como convencê-los? As moedas de troca à disposição do governador atualmente, e dentro da lei, são basicamente orçamento e cargos. Com o orçamento apertado e com dificuldade de executar as emendas parlamentares, sobram os cargos e a influência dentro do executivo para negociar. Assim, cada deputado da base aliada tem direito a uma fatia do governo. Uns, com mais prestígio, levam uma secretaria de Estado mais robusta, com mais cargos, outros preferem manter suas bases eleitorais, o comando das cidades onde conquistaram mais votos ou onde moram, e escolhem administrações regionais.
Assim, o administrador regional passa a se submeter não ao governador, seu superior hierárquico, mas ao deputado que o indicou, seu superior político. E a história mostra que essa aliança política nem sempre sobrevive os quatro anos entre uma eleição e outra. Assim, o governador prefere tocar os projetos nas cidades através das secretarias e da Novacap, que podem alavancar seu programa de governo, como tem feito nas secretarias de Cidades, de Obras e de Governo, e deixar que cada parlamentar fique apenas com os cargos.
Em resumo, as administrações regionais foram transformadas em meros cartórios e ouvidorias, onde se registram queixas, demandas e projetos, que depois são encaminhados ou submetidos a outros órgãos do governo para análise ou execução. Mesmo assim, há quem as queira, principalmente em início de gestão, para acomodar quem trabalhou nas campanhas. Mas, quem vai querer ou pretende ficar com a Administração do Guará?

O advogado e coordenador político Henrique Celso e o delegado aposentado Cléber Monteiro podem ser as soluções técnicas

Quem tem interesse na Administração do Guará?

Mesmo reconhecendo esse esvaziamento e o desgaste que um apadrinhamento pode trazer ao futuro ao padrinho, começam as especulações de quem tem interesse na Administração Regional do Guará depois da não reeleição de Rodrigo Delmasso, até então o dono do território. O mercado cita dois nomes, um deles o do deputado reeleito Hermeto, que teria a pretensão de ampliar sua área de influência além do Núcleo Bandeirante e da Candagolândia, fechando o triângulo formado pelas três regiões. O interesse aumentou depois dos 1.786 votos que ele conseguiu na cidade, acima inclusive da quantidade total conseguida pela ex-administradora regional Vânia Gurgel e metade da votação de Delmasso na 9ª Zona Eleitoral. Hermeto já teria inclusive um candidato ao cargo, o ex-comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar do Guará, Major Siqueira, que nasceu e mora no Guará, e foi o coordenador da campanha do deputado na cidade.
Outro candidato ao apadrinhamento pode ser o deputado Wellington Luiz, que além de receber uma boa votação do guaraense, nasceu, foi criado e somente deixou o Guará depois de casado. Wellington teria no ex-administrador regional André Brandão, seu amigo pessoal, o principal candidato ao cargo. Mas, com negócios em expansão na iniciativa privada, dificilmente André aceitaria voltar à Administração do Guará, mesmo depois da aprovação pela sua passagem no início do governo Ibaneis, por indicação do deputado Rodrigo Delmasso. Restaria ao deputado o nome do ex-diretor de Obras da própria Administração do Guará, o engenheiro Rubens Mendes, que assessorou Welington na presidência da Companhia de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Codhab). Os dois, André e Rubens, são moradores do Guará.
As outras hipóteses possíveis seriam a da única parlamentar moradora do Guará eleita, a deputada distrital Dayse Amarílio, que, entretanto, na entrevista ao Jornal do Guará logo após a eleição, afirmou que é contra esse tipo de apadrinhamento político e defende que o administrador regional seja escolhido pela comunidade, sem contar que foi eleita por um partido de oposição ao atual governo. O nome do ex-administrador e ex-deputado distrital Alírio Neto é outra hipótese a ser considerada, uma vez que ele passou a ser o primeiro suplente do deputado federal Rafael Prudente e no acordo que o levou para o MDB foi acertado um possível cargo relevante no governo desde que Ibaneis e Prudente fossem eleitos. A preferência de Alírio, entretanto, seria a Secretaria de Justiça e Cidadania, cargo que já ocupou, mas ele até aceitaria a Administração do Guará desde que o órgão fosse reestruturado e voltasse a ter protagonismo e lhe desse visibilidade política.
Se não houver candidato ao apadrinhamento político, o governador Ibaneis deve indicar um assessor do seu governo, que tenha alguma afinidade com o Guará, não necessariamente que more aqui. Entre eles, o advogado e militante político Henrique Celso Sousa Carvalho, seu amigo pessoal, maçom, e com larga experiência em coordenar campanhas políticas, a última a da candidata a deputada distrital Renata d´Aguiar, que conseguiu mais de 11 mil votos nas eleições de 2022. Celso, como é conhecido, nasceu, foi criado e mora no Guará e é filho de um dos mais antigos conselheiros do Clube de Regatas Guará e já foi auditor da Federação Brasiliense de Futebol. A escolha também pode caber ao secretário de Governo, José Humberto Pires, que pode indicar para o cargo o ex-diretor da Polícia Civil e secretário-adjunto da Secretaria de Cidades, delegado Cléber Monteiro, seu amigo pessoal, e que nasceu e ainda mora no Guará. Conta também a favor de Cléber o fato dele não ter pretensões políticas, ser considerado um técnico competente e de fácil trato, o que pode reverter a imagem desgastada pelas últimas gestões na Administração do Guará junto aos moradores.