Quando alguém procura um pioneiro para falar sobre a história do Guará, principalmente sobre o mutirão que deu origem à cidade, o primeiro nome citado ou recomendado é de Vô Judson, que se transformou no símbolo da saga dos pioneiros guaraenses. E ele fez por onde. Ativo, falante, Judson Seraine passou a viver a cidade em todas as fases desses 54 anos, ora participando de grupos, de eventos, comemorações, em defesa do Parque do Guará, ou simplesmente divulgando seus poemas ou mensagens de autoajuda impressas em pedacinhos de papel. E sempre ao lado da sua “eterna namorada”, como ele faz questão de apresentá-la, Lourdes Seraine, uma simpática senhora de 84 anos de muita lucidez, que o acompanha desde 1961, quando se conheceram.
Como a maioria dos nordestinos do interior, Judson Seraine, 90 anos, teve uma infância e adolescência sofrida em Corrente, a 650 quilômetros de Terezina (PI). Criado por uma tia, ele não se conformava com a vida que levava e que o esperava se continuasse vivendo naquelas dificuldades. Aos 17 anos, disse para a tia que iria embora para tentar a vida em Goiás, uma escolha aleatória. Depois de percorrer a pé cerca de 200 quilômetros de Corrente (PI) a Barreiras (BA), durante cinco dias, ele conseguiu uma carona para Anápolis, onde foi contratado pela prefeitura para capinar mato nas ruas da cidade goiana. De lá, foi para Goiânia trabalhar com um dono de ferro velho especializado em desmanche e reforma de caminhões, Jeferson de Roure, tio do ex-deputado distrital Wasny de Roure. Foi a senha para melhorar sua vida.
Ajudando a construir a capital
Depois de angariar a simpatia e a confiança do patrão, Judson ganhou dele um caminhão caçamba para tentar a vida na construção de Brasília em 1959. Depois de prestar serviço para a Novacap na construção dos prédios da Catedral, da Câmara dos Deputados e do Hospital de Base, conseguiu um emprego na Novacap cinco anos depois, como motorista da diretoria da empresa, outro fato que novamente iria mudar sua vida e determinar sua moradia.
Mas antes, em 1961, ele conheceu Lourdes Seraine, costureira oficial das primeiras damas e das famílias dos prefeitos de Brasília. Os dois vinham de outro casamento e um ano depois se casaram. Ela havia recebido uma casa da SHIS (Atual Codhab) em Taguatinga Norte, onde passaram a morar, com os seis filhos (três de Judson, dois de Lourdes e um adotado). Até que em 1967, ele foi indicado pelo então presidente da Novacap, Rogério Freitas Cunha, para participar do mutirão de criação do Guará, com direito a ter sua casa própria se cumprisse a tarefa de participar diretamente das obras. Foi incluído nos grupos escolhidos para construir a QE 1 – o mutirão começou pela QE 5. Cada grupo era formado por 10 homens, que depois de construírem 10 casas, participavam de um sorteio, feito pelo próprio Rogério Freitas Cunha no seu icônico chapéu de palha, para definir o endereço da casa de cada um.
Apesar do esforço físico – “a Novacap só financiava o material e emprestava as máquinas e caminhões e nós tínhamos que ir buscar tijolo na fábrica, areia e pedra onde estava disponível”, recorda – era só alegria e esperança, segundo ele. Quem não era pedreiro, como Judson, sobrava a parte mais dura, de fazer massa e carregar material.
Mesmo com a casa de Taguatinga Norte, o sonho do casal era morar no Guará, mesmo sem a mesma infraestrutura da outra cidade. “Não sei porque, nos encantamos pelo lugar”, conta dona Lourdes.
Depois de morar na primeira casa que ajudou a construir, o casal mudou-se para uma casa maior na QE 5, numa troca com a SHIS em que completaram a diferença em dinheiro. É lá onde continuam morando até hoje, 54 anos depois.
Vida social agitada
Alegres e festeiros, Judson e Lourdes logo se integraram aos movimentos sociais do Guará, principalmente dos grupos de terceira idade. Depois de se destacarem nesses grupos, foram escolhidos como um dos 50 casais que integram a Enciclopédia dos Pioneiros de Brasília. Lourdes também foi eleita Miss Beleza da Terceira Idade do DF e ele Mister Simpatia num concurso nacional realizado em Santa Catarina. No primeiro governo Lula, ele foi escolhido como representante dos pioneiros do DF durante uma comemoração de aniversário do governo e recebeu uma condecoração do presidente à época.
Além das mensagens de autoajuda que distribui por onde anda, Judson escreve poemas e até os hinos do Distrito Federal – não o de Brasília -, e o do Guará, que, entretanto, ainda não é oficial.