MAIS UMA OBRA ABSURDA

Intervenções no estacionamento da Feira retiram mais de 300 vagas de veículos, constrói calçadas exageradas e sem ouvir feirantes e usuários. Como fizeram com a ciclofaixa do Guará II. Obra está interrompida

A história se repete, mesmo depois dos episódios da construção da ciclofaixa do Guará II, que provocou protestos dos moradores e motoristas até que o governo resolvesse interromper a obra. Mas o desgaste com a comunidade pela obra absurda da ciclofaixa não fez o governo aprender. Uma intervenção no estacionamento da Feira do Guará está retirando mais de 300 vagas de veículos para dar lugar a calçadas de mais de 8 metros de largura, sob o pretexto de melhorar a acessibilidade. Na parte já concluída, em frente à Estação Feira do Metrô, foi construído um verdadeiro e inexplicável labirinto com acesso e saída no mesmo espaço. Mesmo depois do protesto de feirantes e usuários, uma nova surpresa: absurdo semelhante volta a se repetir no estacionamento do lado de cima, no acesso da via contorno, que até então estava intacto.
O que mais surpreende é que, mesmo com os protestos contra as intervenções anteriores, que começaram no estacionamento em frente à Administração Regional, as obras continuam sem que alguém consiga detê-las. Assim que assumiu a Administração Regional em janeiro, o administrador regional Artur Nogueira tentou convencer a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), responsável também pela polêmica ciclofaixa, a interromper a obra e suspender o projeto, mas, em vão. Logo depois veio a construção do labirinto em frente à Estação Feira, também sob protestos gerais, sem que fosse interrompido. Agora, a terceira intervenção, desta vez a mais drástica.

Perda de mais de 300 vagas

A Seduh não fornece mais detalhes sobre a obra, mas, de acordo com a contagem feita pelo feirante Adeilson Lobo, estão sendo suprimidas 313 vagas para veículos. “O governo e os técnicos responsáveis por esse projeto deveriam ter ouvido os feirantes, que serão os mais prejudicados. Tirar vagas de veículos para a construção de calçadas enormes é um absurdo. São mais largas do que o calçadão de Copacabana. O comércio já estava ruim, agora vai piorar ainda mais”, prevê.
A indignação dos feirantes e usuários da feira pelo menos provocou um resultado imediato, que, entretanto, pode ser apenas temporário. Depois de relatar a insatisfação da comunidade ao governador Ibaneis Rocha, o administrador regional Artur Nogueira conseguiu que a Seduh autorizasse a empreiteira a suspender as obras, até que o problema fosse discutido pelos órgãos envolvidos. A decisão de Ibaneis foi respaldada pelo secretário de Governo, José Humberto Pires, considerado o grande gerente do governo, e pelo diretor-presidente da Novacap, Fernando Leite. “Vou lutar até o fim para a paralização da obra e a recomposição das vagas, pelo menos nesta última etapa. O governo precisa se sensibilizar com a insatisfação geral, principalmente dos feirantes”, dispara o administrador regional Artur Nogueira.

Seduh justifica

Questionada pela reportagem do Jornal do Guará sobre a insatisfação dos feirantes e usuários, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação respondeu, através de nota, que “o projeto de requalificação elaborado pela pasta, tem por objetivo promover a melhoria de calçadas e da acessibilidade nas proximidades de equipamentos públicos e estações do metrô. Quanto às obras nos bolsões de estacionamento, eles estão sendo readequados de acordo com a legislação vigente, com a demarcação de vagas específicas para pessoas com deficiência, idosos, motocicletas, além de garantir a acessibilidade com a implantação de rampas.
Novas vagas estão previstas dentro do projeto de requalificação da área do Cave, elaborado pela Seduh, e que será submetido à aprovação do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Conplan).
No final da nota, a Seduh completa que “o projeto de requalificação do Cave passou por audiência pública no dia 2 de maio, antes de seguir para o Conplan”, sendo que, essa audiência pública tratou apenas da requalificação dos lotes do Cave e não das intervenções nos estacionamentos da Feira, que, aliás, já haviam se iniciado há oito meses antes.
Para amenizar a redução das vagas, o administrador regional Artur Nogueira voltou a liberar o estacionamento interno da Administração Regional, que havia sido interditado para o uso do público pela ex-administradora regional Luciana Quintana no início de 2022, aos sábados e domingos, o que garante 70 vagas.

Feirantes indignados
“Os feirantes não tem onde estacionar ou parar seus próprios carros. O acesso à feira ficou muito complicado porque tiraram o asfalto e ficou só o barro, a lama e a poeira. Os clientes não encontram onde parar e vão embora, sem retornar na próxima semana. Por não ter vaga no estacionamento, não tem clientes – se não temos clientes, não temos vendas. O prejuízo é muito grande”, reclama Adeilson Lobo, da banca Castanha & Cia.

Para o feirante Heitor Moraes, conhecido como “gaúcho do pastel, um dos mais antigos da Feira do Guará, proprietário da pastelaria Universidade do Pastel, o que estão fazendo no estacionamento é um desrespeito aos feirantes “Para nós foi uma surpresa, porque ninguém nos comunicou nada e nem pediu a nossa opinião. É uma obra desnecessária e prejudicial aos nossos interesses. Nós precisamos do estacionamento, precisamos de clientes, de pessoas que consomem para gerar emprego, que chegam a 2 mil na Feira do Guará. Estamos sendo prejudicados sem saber o motivo”, completa.
Todo final de semana o servidor público Edson da Cruz “bate ponto” na Feira do Guará, mas, atualmente, definiu a experiência de estacionar no local como “horrível”: “Diminuíram os espaços para carros, aumentaram a calçada e não há mais onde estacionar. Antes era mais fácil estacionar, mas hoje é preciso dar uma volta enorme para poder achar uma vaga”.

Mais comedido, e por isso mesmo criticado pela maioria dos feirantes ouvidos pela reportagem, o presidente da Associação dos Feirantes da Feira do Guará, Cristiano Jales, diz que está aguardando a conclusão das obras para sentir os impactos sobre as vendas. “Não dá para saber ainda se serão negativos ou positivos. Mas temos ouvido muitas reclamações dos feirantes, dos clientes, dos frequentadores do Metrô, em relação às vagas que foram reduzidas, mas a gente não pode afirmar agora se a obra veio para piorar ou beneficiar”, avalia.

Tal qual a ciclofaixa: de goela abaixo

Tudo parece se encaminhar para o esquecimento e deixar como foi feito. Pelo menos é o que parece em relação à polêmica obra da ciclofaixa do Guará II. Um ano e meio depois de iniciada e um ano após o início dos protestos organizados dos moradores, a única coisa que aconteceu de fato foi a interrupção do que seria feito nos trechos 2 e 3 até o final do Guará II (da QI 25 à QE 36). O trecho 1, já pronto, e que provocou acaloradas discussões entre governo e comunidade, a obra da ciclofaixa do Guará II continua do mesmo jeito, com o estreitamento da pista e a demarcação de estacionamento nas laterais.
Depois de várias reuniões entre representantes do governo e da comunidade, parecia que havia a intenção – por parte do governo -, de promover algumas adequações à obra, para minimizar os impactos no trânsito, provocados pela redução de uma pista da via central e aplacar a ira dos motoristas. Pelo menos foi o que ficou acordado na última reunião entre as duas partes, em agosto do ano passado. De lá para cá, foi só “enrolação”. Desde setembro, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), vem prometendo apresentar um projeto elaborado pelo Detran-DF com propostas de alterações ao que já foi feito, mas até agora, nada.
Insatisfação da comunidade
O clima das quatro reuniões tem refletiu o descontentamento da maioria da população guaraense com as interferências no trânsito, manifestado nas redes sociais. Durante o ano passado, a ciclofaixa foi o assunto mais comentado em grupos de WhatsApp e Facebook da cidade, a maioria absoluta contra o projeto. Por causa dessa insatisfação, o governo decidiu suspender a parte do projeto que previa a extensão da ciclofaixa nos trechos 2 e 3, entre a 4ª Delegacia de Polícia e o edifício Pedro Teixeira, no final do Guará II.
Enquanto afagava o movimento que protestava contra a obra ao decidir pela sua interrupção, o governo esbarrava em duas outras dificuldades, a primeira delas de ordem legal, porque a obra é uma compensação urbanística, que está sendo paga pelas incorporadoras que construíram grandes edifícios na orla e no centro do Guará II no período de 2008 e 2010 e foi negociada à época pelo Ministério Público com o então Governo Arruda. Como não foi executada desde então por falta de providências dos governos subsequentes de Wilson Lima e Rogério Rosso (tampões), depois de Agnelo Queiroz e Rodrigo Rollemberg, que tinham a responsabilidade de apresentar os projetos da compensação, o Tribunal de Contas do Distrito Federal resolveu intervir e exigir que o Governo Ibaneis cumprisse o acordo com as incorporadoras. Mas, para atender à exigência do TCDF, o governo atual resolveu lançar mão do projeto elaborado na época por técnicos da então Secretaria de Habitação, atual Seduh, portanto há quase 12 anos, aprovado por uma Comissão formada por representantes da própria Secretaria, da Secretaria de Transportes (atual Secretaria de Mobilidade).