Uma cidade sem futebol

Guará sediava o mais disputado campeonato amador do DF nas décadas de 80/90. O CR Guará tinha a segunda maior média de público, depois do Gama. Hoje, só resta o terrão da 18. Nem estádio tem mais

O campeonato amador do Guará era considerado o mais forte do Distrito Federal, a ponto de atrair times tradicionais de outras regiões do DF, como a Distribuidora Jardim. Pratão e Copobol eram os grandes rivais e motivo de discussões e resenhas nos bares da cidade, por torcidas apaixonadas, mas também haviam outros, como o Maringá, que deu origem ao clube profissional Capital, e o Tradição, cuja sede era o bar Brechó, na QI 18, onde “dirigentes” e atletas tomavam decisões e comemoravam as conquistas sorvendo goles de cerveja. As manhãs de domingo do Estádio do Cave era a grande atração para os torcedores do Clube de Regatas Guará quando o time jogava em casa. O lobo da colina tinha a segunda média de público do DF, superada apenas pelo Gama. A média chegava a 3 a 4 mil torcedores por jogo, sem contar a festa para crianças e adultos que também se divertiam com os sorteios de brindes no intervalo dos jogos. Mas nada existe mais e ficou apenas na lembrança de quem gosta de futebol e viveu aquele tempo. Os campos de erra batida que abrigavam os jogos do futebol amador foram engolidos pela especulação imobiliária e o estádio do Cave não passa de ruinas há mais de dez anos. Antes, o lendário Clube de Regatas Guará, campeão brasiliense de 1996 e vice-campeão local cinco vezes, já havia morrido após ingerências políticas e falta de apoio público.
A cidade não disputa mais o campeonato de futebol profissional, por falta de time e de estádio, e não promove mais o campeonato amador, por falta de campo e de times. O que ainda resta do esporte mais popular do país no Guará são os torneios do chamado “Terrão” da QE 18, onde se reúnem os antigos participantes das competições de outrora para relembrar o que foi um dia, e as escolinhas das quadras sintéticas. Nem mesmo o tradicional campeonato da QE 38, que era disputado no “terrão dos eucaliptos” e depois transferido para o campo sintético existe mais – pelo menos não é realizado há três anos.


Só boas lembranças

Mas, toda a culpa dessa decadência não pode ser creditada somente à falta de campos ou estádio. O advento e o crescimento das transmissões esportivas pela TV acomodou o torcedor dentro de casa. Os atletas amadores preferiram trocar o campo de terra, com maior risco de contusões, pelos campos de grama dos clubes sociais ou de grama sintética das quadras. Ou as peladas organizadas pelo grupo do Clube dos Amigos e por outro grupo no campo ao lado, no Cave, às quartas e sábados. Os jovens preferem as escolinhas de futebol na esperança de um dia se tornarem jogadores profissionais, sonho alimentado pelos pais que vislumbram retorno financeiro dos filhos, como fez o pai do guaraense Reinier, o pai de Neymar e tantos outros.
E aí, vai continuar assim?, deve perguntar o leitor. Em relação ao futebol amador, a sobrevivência vai continuar com o terrão da 18, porque não há mais espaço para os campos e nem os mecenas que patrocinavam e sustentavam times amadores, como Agrício Braga, da Distribuidora Jardim, Adão Carvalho, do Copobol e Raimundo Nonato, do Pratão. Em relação ao futebol profissional, o futuro vai passar pela reconstrução do estádio do Cave, que deve ter a concessão desmembrada da PPP do complexo.
Bem localizada, no eixo entre o Plano Piloto e as principais regiões periféricas do DF, servida de metrô, e órfã de um time profissional desde 2006, a cidade do Guará desperta interesses de grupos que querem investir no futebol brasiliense. Dois grupos de investidores, ligados aos ex-jogadores Deco, em parceria com o Barcelona, e Cristiano Ronaldo, tem acompanhado de perto a concessão do estádio e manifestado interesse em montar um time de futebol aqui. Além dos dois, embora negue, o dono do Real Brasília, Luis Felipe Belmonte, também quer o Cave, para alavancar o projeto de transformar seu time na grande força do futebol brasiliense – por enquanto, manda seus jogos no acanhado estádio do Defelê, na Vila Planalto.

Estádio vai ser licitado à parte

Depois do imbróglio envolvendo a retirada do teatro de arena da concessão, o governo vai optar por separar o estádio da parte recreativa, para atender aos interesses dos interessados apenas na criação de um clube profissional na cidade. A outra parte, envolvendo a área compreendida pelo ginásio coberto, o clube de Vizinhança, a piscina desativa e a quadra de tênis daria lugar a complexo de lazer, com restaurantes, academias e outras atividades afins, e poderia atrair investidores quem não se interessariam pelo estádio e a montagem de um clube de futebol.
Com essa decisão, o governo quer apressar a solução para o estádio do Cave, parcialmente demolido há mais de dez anos, quando o repasse do Ministério do Esporte para a reforma foi perdido no fim do orçamento anual da pasta, por causa de divergências entre a empreiteira que havia iniciado a obra e a Novacap em relação a dificuldades técnicas no terreno que não haviam sido previstas na licitação. Como o imbróglio não foi resolvido até o fim da gestão do governo federal da época, o recurso prometido pelo Ministério do Esporte foi cancelado por não ter sido empenhado no mesmo período da destinação.
Recursos para refazer o estádio não seria problema para o governo do DF, que está com os cofres cheios e lançando obras a torto e a direito, mas o problema recairia na administração do novo espaço, por falta de estrutura e expertise interna. Nem a Administração Regional do Guará e nem a Secretaria de Esporte e Lazer dispõem de pessoal, sem contar as ingerências políticas que o uso do estádio sofreria.