Eleição questionada na Feira do Guará

Meses após a eleição, chapa vencedora ainda não conseguiu registrar o pleito no cartório. Oposição pede o cancelamento das eleições na justiça

Mais de três meses após a eleição da Associação de Feirantes da Feira do Guará, o processo ainda é questionado por quem não foi eleito. A eleição para o comando da Ascofeg foi acirrada. No dia 27 de outubro, os donos das bancas deram 221 votos (contra 145) para a Chapa 1. A nova diretoria é do mesmo grupo de Cristiano Jales, que ficou à frente da Ascofeg por três mandatos, ou 12 anos, e decidiu não concorrer à reeleição. O presidente eleito, Valdinei Lima, herdou a sua banca, uma mercearia, de seu pai, um dos primeiros feirantes do Guará. E agora tem a missão de reerguer a feira, que já foi a maior do Centro-Oeste e ainda é referência de feira popular no Distrito Federal.
Hoje, o principal desafio da associação de feirantes é a inadimplência. Cerca de 40% dos feirantes não pagam as taxas devidas à entidade gestora dos espaços públicos e serviços coletivos da Feira do Guará.

René Ramos e Alexandre Meneses alegam que a eleição teria sido manipulada. Nenhum dos dois pode concorrer pela chapa de oposição, por não terem a documentação exigida, segundo a presidência à época

Contestação

Após a eleição as duas chapas e os respectivos advogados assinaram a ata que declarava a vitória de Valdinei Lima. Porém, a ata ainda não foi registrada em cartório. Esse registro deveria ter sido feito pelo ex-presidente Cristiano Jales, mas o cartório Marcelo Ribas fez algumas exigências para realizar o registro. “Estamos em busca de cumprir todas as exigências do cartório, e isso não muda o resultado das eleições. Realizamos uma posse simbólica para o Valdinei e sua chapa e agora estamos agindo em conjunto para sanar o problema. Enquanto a ata não for registrada, estamos em uma gestão conjunta para que a feira não pare”, explica Cristiano.
Quem contesta a eleição é Alexandro Meneses. Ele fez campanha concorrendo como presidente da Chapa 2, mas teve sua candidatura indeferida, o que considera um ato de perseguição do ex-presidente. Sua candidatura foi sequer registrada, e a chapa 2 precisou inscrever a então tesoureira Daisilaine Xavier como candidata a presidente. “A eleição foi fraudada. Impediram os feirantes de oposição de participar do processo, esconderam informações e manipularam o resultado das eleições”, alega”. Ele solicitou judicialmente o cancelamento das eleições, porque a Associação de Feirantes nunca disponibilizou a lista de bancas que poderiam votar no pleito, interferindo no resultado das eleições. Acusa também a antiga gestão de esconder o valor real das dívidas da associação. “Ora falam de R$ 8,5 milhões, ora em R$ 2 milhões, e ninguém sabe de fato quando se deve. E nem quem deve ou não à associação. Neste processo de eleição muita gente teve a dívida perdoada para poder votar neles”.
O ex-presidente da Acofeg alega que a dívida é bem menor que a anunciada. “São 2 milhões de reais que a feira deve de INSS, e mais R$ 600 a 700 mil de dívidas trabalhistas. Existe ainda uma dívida com a concessionária de energia elétrica, que contestamos, de R$ 2 milhões. Essa dívida foi causada por um erro da própria concessionária”, explica Cristiano.
O processo está em andamento. O juiz negou a medida cautelar para anulação das eleições, e deu 15 dias para que a antiga gestão se manifeste sobre as denúncias apresentadas. Para René Ramos, a eleição precisa ser cancelada por interferência do ex-presidente no pleito e a falta de transparência. A ata da eleição foi assinada pelos candidatos, de ambos os lados, por seus advogados e pela comissão eleitoral. Alexandro, autor da ação, e René, apoiador da oposição, não faziam parte da chapa que concorreu à eleição.

Valdinei Lima, eleito novo presidente, divide a gestão com o ex-presidente Cristiano Jales, pelo menos até o registro da eleição em cartório. Situação alega que reclamações não procedem e não passam de lamento dos derrotados
Cooperativa

Um movimento de feirantes, liderado por Renê Ramos, propõe também a privatização da Feira do Guará. A ideia é que a gestão seja repassada para uma cooperativa criada por 20 feirantes há alguns anos, a Cooperfeg. A instituição defende que o terreno da Feira do Guará, recém-criado na reestruturação do Cave, seja doado ou vendido aos feirantes. E as bancas deixariam de pagar as taxas de ocupação de área pública e passariam a pagar o condomínio, como é o caso da Feira dos Importados.
“Essa mudança é vantajosa para o governo, porque passa a gestão diretamente aos feirantes e passa a arrecadar IPTU e não mais as taxas. Os feirantes passam a ser donos de suas bancas, incorporando tudo a seu patrimônio” explica o feirante. O problema a resolver é como fazer o repasse do lote a uma associação de feirantes. Como a feira não cumpre os requisitos para a uma licitação direta, há o risco de outra pessoa arrematar o terreno e obrigar a retirada da feira posteriormente. Precisaria ser criado outro instrumento para a doação do terreno todo, ou licitar cada banca individualmente. Apesar de querer a gestão privada da feira, ele defende uma emenda para a instalação de painéis solares de cerca de R$ 6 milhões, destinada pela bancada da frente cooperativista da Câmara Legislativa, liderada pelo deputado Roosevelt Vilela. “Mesmo sem ajuda do governo, a nossa cooperativa quer fazer a gestão dos painéis solares na Feira do Guará e a gestão dos resíduos. Temos conversado com cooperativas de catadores para realizar esse processo e cumprir o que determina o SLU quanto aos grandes geradores, que é o caso da nossa feira”, completa Renê.
A intenção de mudar a gestão da feira não conquistou os feirantes. Poucos aderiram à ideia e a apoiam abertamente. “Temos ainda baixa adesão à cooperativa, são cerca de 47 filiados, porque o ex-presidente da Associação de Feirantes, Cristiano Jales, usou sua influência entre os feirantes para desqualificar a ideia ao convencer todos que isso aumentaria muito o custo para os donos das bancas”, afirmaRenê.
Cristiano Jales se defende afirmando que o plano não se ampara na realidade. “Não há instrumentos legais hoje para que a feira receba a doação do terreno diretamente, ou tenha preferência em uma possível licitação. E a licitação direta das bancas já tem causado problemas. Por erro dos servidores da Administração do Guará, algumas bancas foram registradas como fechadas, ainda que os feirantes estivessem exercendo a atividade normalmente. Agora, essas bancas foram licitadas a terceiros e os feirantes antigos estão arriscando perder a banca de onde tiram seu sustento. Esse é o risco quando se fala em privatizar a feira. Os feirantes que estão há anos aqui podem acabar expulsos”, explica.

Empresários tradicionais da feira não concordam com a contestação, e alegam que é só reclamação dos perdedores. “A eleição foi transparente e limpa. Todo o processo foi fiscalizado por ambos os lados. Agora, os perdedores estão tentando ganhar na justiça o que não conseguiram no voto. Seria melhor se todos se juntassem para trabalhar para o bem da feira, e não prolongar essas disputas”, desabafa Eitor Morais, o Gaúcho, dono da mais tradicional banca de pastéis e membro da comissão eleitoral
Falta investimento

O ex-presidente cobra investimentos públicos urgentes na feira. “A Novacap realizou uma obra de R$ 1,3 milhão, que consistiu na pintura de alambrados, reforma de banheiro e do piso da feira. O telhado ainda não foi consertado e as goteiras têm prejudicado o trabalho dos feirantes. Existe um projeto pronto para ser licitado, no total de R$ 24 milhões para a reforma da feira. Se este processo for separado em partes, é possível começar a ser executado logo. Precisamos que o telhado seja todo recuperado e precisamos da individualização dos medidores de energia. Essa etapa custaria cerca de R$ 9 milhões”, conta Cristiano.