Considerada a horta comunitário modelo no Distrito Federal, a do Guará correu sério risco de acabar. Após 13 anos de implantada, descobriu-se agora que o terreno onde ela se localiza está reservado desde 2009 para ocupação urbana e faz parte do projeto de expansão da QE 38. Seis lotes e uma das ruas da expansão vão ocupar 90% do terreno onde estão os canteiros, inviabilizando a horta.
Os voluntários e a equipe que administra o projeto somente descobriram que o terreno não pertencia à horta quando as máquinas da empreiteira contratada para executar os serviços de terraplenagem e construção das vias encostaram na cerca que protege os canteiros. Até então, todos imaginavam que a horta existia oficialmente e era proprietária da área. Nem a Administração Regional do Guará sabia que o terreno cercado desde 2010 era destinado à ocupação urbana.
Pegos de surpresa, a comunidade da horta e a Administração Regional resolveram correr atrás do prejuízo, mas com poucas possibilidades de reversão em relação à permanência no terreno onde está. Como proprietária do terreno, a Terracap já planejou colocar os seis lotes à venda ou repassá-los à Companhia de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Codhab) como parte dos 40% a que o movimento social tem direito de acordo com a lei 3877/2006, que destina o percentual para as cooperativas habitacionais do DF.
Solução de última hora
Na prorrogação do jogo, começou a correria por uma solução, enquanto os voluntários que ajudam a manter a horta começava uma campanha com o objetivo de convencer o governo a mantê-la onde está. O jeito foi buscar uma solução e a primeira proposta que surgiu foi propor à Terracap, à Administração Regional e a Secretaria de Meio Ambiente a transferência da horta para a área do futuro Parque dos Eucaliptos entre a QE 38 e as quadras novas, onde ainda não feita a arborização e nem qualquer edificação. Além de ocupar uma parte muita pequena do parque, a horta tem a ver com a natureza e o meio ambiente por ser uma atividade sustentável e pode ser uma atração e uma atividade do futuro parque.
A primeira reunião para discutir a sugestão aconteceu na sexta-feira passada, 20 de janeiro, entre o administrador regional do Guará, Artur Nogueira, e a Diretoria Comercial da Terracap. “Foi a primeira conversa, mas senti sensibilidade por parte da diretoria em ajudar na remoção da horta”, afirma o administrador, que pediu que a empresa apenas custeasse o cercamento e a construção de uma pequena sede administrativa da horta.
Como o Parque dos Eucaliptos é um parque recreativo e pertence à Administração do Guará, a solução está encaminhada. De acordo com o administrador Artur Nogueira, as assessorias técnica e jurídica da Administração já estão elaborando o contrato de cessão da área ao Instituto Arapoti, o mantenedor da horta. “Vamos oferecer garantia que não existiam até então, para evitar que a horta corra novos riscos no futuro”, afirma o administrador.
Na segunda-feira, foi a vez do administrador obter o respaldo do secretário de Meio Ambiente, Gutemberg Gomes. “A horta é perfeitamente compatível com a política ambiental que defendemos. Cabe perfeitamente dentro do Parque dos Eucaliptos”, afirma Guto.
Antes preocupada com a possibilidade de interromper o projeto, a presidente do Instituto Arapoti, a engenheira ambiental Dai Ribeiro, comemora a solução encontrada. “Cheguei a adoecer de tanta preocupação diante da possibilidade de perder a horta, que era um filho pra mim e pra mais de 200 voluntários. Felizmente parece que tudo será resolvido”, diz ela, aliviada.
Exemplo de solidariedade e parceria
Gerida e mantida unicamente por voluntários, a Horta Comunitária do Guará é um exemplo de que o engajamento comunitário pode ser a solução para o sucesso de alguns projetos criados pelo governo. Implantadas no Governo Arruda em 2010, com o objetivo de incentivar a produção de alimentos saudáveis e baratos, a prática da cidadania e promover a interação entre os moradores, nem todas as 34 hortas comunitárias espalhadas pelo Distrito Federal deram o resultado esperado. Por falta de apoio das administrações regionais e de interesse dos moradores, algumas delas não vingaram ou não produzem como deveriam. Mas, algumas deram certo, e a do Guará é a principal referência de todo o projeto, por causa do engajamento de lideranças comunitárias comprometidas e o interesse cada vez maior de voluntários, principalmente durante a pandemia, quando o plantio, a colheita e a confraternização atraíram quem não tem um pedaço de chão para cultivar e procurava uma forma de sair de casa com menor risco da contaminação pelo vírus. Essas hortas ajudam também no resgate do solo, transformam os locais em práticas terapêuticas e oferecem uma abordagem pedagógica.
A Horta Comunitária do Guará, na QE 38, chegou a ficar abandonada no governo Agnelo Queiroz por falta de incentivo oficial, mas voltou a ser ativada no início do governo Rollemberg pelo então administrador regional André Brandão, e desde então não parou mais de produzir, graças ao interesse de um grupo de voluntários liderado pela engenheira ambiental Dahiana Ribeiro, a Dai.
Além de ser fonte de alimentação saudável, a horta também produz ervas medicinais, promove cursos relacionados ao plantio e aproveitamento total de alimentos, entre outros temas. Mas, para chegar ao estágio atual, o grupo de voluntários teve que implantar regras e dividir tarefas. Para começar, foram criados dez grupos de atividades específicas, cada um liderado por alguém com atividade profissional ligado ao assunto ou que tenha demonstrado interesse por ele.