Considerada a segunda feira livre mais importante do Distrito Federal (depois da Feira dos Importados), com 646 bancas e cerca de 50 mil visitantes por mês, a Feira do Guará continua vivendo seu inferno astral. Pelo menos no seu comando. Desde outubro do ano passado, quando foram realizadas as eleições para a renovação da diretoria da Associação dos Feirantes, dois grupos antagônicos promovem uma verdadeira guerra entre eles, com direito a agressões físicas e verbais e ações na justiça. O último capítulo dessa guerra aconteceu no início de março, quando o desembargador Renato Rodovalho Scussel, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) deferiu liminar suspendendo a eleição até o julgamento do mérito da ação.
A ação na Justiça foi impetrada pelo grupo que perdeu a eleição, sob a alegação de fraude na votação. Como a gestão da diretoria do ex-presidente Cristiano Jales havia terminado no dia 31 de dezembro do ano passado, na prática a Associação dos Feirantes estaria sem diretoria legal. Essa vacância estaria confirmada pelo fato da ata da eleição ainda não ter sido registrada em cartório, para que a diretoria eleita, presidida por Valdinei Lima, possa assumir as funções de administrar a feira. Mas não é isso que entende o ex-presidente Cristiano Jales, que voltou a assumir o cargo por conta própria, sob a alegação de que, com a suspensão das eleições, a diretoria anterior permanece até o julgamento do mérito ou até que sejam convocadas e realizadas novas eleições.
Enquanto a briga na Justiça continua, os dois grupos intensificam as agressões mútuas. Há duas semanas, circularam dois vídeos de provocações dos dois lados, com tapas, correrias e xingamentos. Em outro vídeo, Cristiano ameaça a irmã do candidato da chapa de oposição. As agressões continuaram no sábado passado, 16 de março, quando o feirante René Ramos de Sousa, um dos líderes da oposição, acompanhado de outros cinco feirantes, tentou entregar um documento na Secretaria da Associação, informando que Cristiano e nem qualquer outro diretor da diretoria anterior possa se auto intitularem titulares dos cargos. Mas segundo Renê, a secretária Neurivane Silva Moura, além de se recusar a receber o documento, acionou Valdinei, que teria surgido com cerca de 10 feirantes e seguranças da Feira, e iniciado agressões ao grupo opositor. “Eles já chegaram me agredindo e me jogando pela escada. Foi uma covardia”, afirma Renê, que fez ocorrência policial e corpo de delito para confirmar as agressões. “É mentira dele. Não houve agressão alguma. Desafio ele a apresentar o exame do corpo de delito”, rebate Cristiano.
Estatuto não prevê vacância
No documento que tentou protocolar na secretaria da Associação, o grupo opositor explica que o Estatuto da Associação de Feirantes não prevê vacância de gestão, conforme diz o o Art. 32, Seção II, do Estatuto da Ascofeg: “A Diretoria é constituída por 6 membros eleitos em Assembleia Geral para um mandato de 36 meses, podendo ser reeleita por mais um mandato e será responsável pela condução e execução dos assuntos e negócios da Instituição, cabendo-lhe também promover a articulação entre os demais Órgãos”. Portanto, segundo Renê, a gestão anterior da associação teria expirado no dia 31 de dezembro do ano passado e Cristiano não poderia ter retornado como “gestor provisório”. A oposição defende que a associação está acéfala e não tem condições de administrar a feira. O ex-presidente Cristiano Jales defende que apenas a eleição foi cancelada, o que o reconduziria ao cargo de presidente até que a situação na justiça seja resolvida. A associação vai recorrer da decisão nos próximos dias, mas uma definição judicial pode demorar muitos meses.
O grupo opositor está sugerindo à Justiça que o presidente do sindicato dos Feirantes do Distrito Federal, Francisco Valdenir Machado Elias, assuma uma gestão temporária da Associação de Feirantes até a realização de novas eleições. A decisão complicou ainda mais a situação da Feira do Guará. A Ascofeg é responsável pelo funcionamento da feira, e tem em seus quadros cerca de 25 funcionários, que cuidam do dia a dia do espaço, na segurança, na limpeza e nas questões administrativas.
Governo não sabe como agir
No meio do imbróglio está o governo, que é o dono do espaço, mas não sabe ou teme interferir numa instituição privada, no caso a Associação dos Feirantes. De acordo com o chefe de Gabinete da Administração Regional do Guará, José Manoel Neto, designado pelo administrador regional Artur Nogueira para mediar o conflito, está sendo discutida a possibilidade de se constituir um Comitê Gestor, formado por representantes da Administração Regional, Secretaria de Governo e Subsecretaria de Mobiliário Urbano e Apoio às Cidades, até a realização de novas eleições. “O problema é que deparamos com muitas ações trabalhistas movidas por funcionários da Associação e, no caso de intervenção, o governo responderia de forma subsidiária, ou seja, poderia também responder às ações dos funcionários. Estamos aguardando ao parecer do corpo jurídico do governo para definirmos o que fazer”, explica. Mas a possibilidade do Comitê Gestor é contestada por Cristiano Jales, sob o argumento de que o governo não pode interferir numa instituição privada mesmo que seja o dono do espaço.