TOQUE DE RECOLHER?

Administrador do Guará tenta proibir música na cidade e ordena que comércio feche as portas à meia-noite. Depois de pressionado, ordem é revogada

Na quinta-feira, a cidade do Guará acordou com uma novidade estranha. O administrador regional do Guará, Luís Carlos Júnior, havia, sem avisar ninguém, mandado editar e publicar no Diário Oficial do Distrito Federal uma Ordem de Serviço que proibia a execução de música, seja “mecânica, automotiva ou ao vivo”, em quaisquer estabelecimentos comerciais do Guará, sejam eles bares, distribuidoras de bebidas, ou outro local que venda bebida alcoólica. E ainda determinou o fechamento de todo o comércio da cidade à meia-noite durante a semana e 1 hora da manhã nos finais de semana. Ou seja, proibia o que nem mesmo foi proibido nos anos mais duros da ditadura militar e encerrava de vez um debate que se arrasta, democraticamente, por anos no Distrito Federal, a Lei do Silêncio.
A reação foi imediata. O recorte do Diário Oficial viralizou nas redes sociais ligadas ao Guará. Nos grupos de artistas, principalmente de músicos, entre os produtores culturais, entre os comerciantes, e até mesmo entre os deputados distritais, a indignação foi generalizada. Primeiro, pelo descabimento da medida extrema, que aniquilaria a cultura da cidade, sem haver um único debate público sobre o tema. Segundo, porque não é competência da Administração legislar sobre o assunto, e a tentativa de estabelecer o toque de recolher com censura prévia seria inconstitucional.
A própria Administração do Guará tentou colocar panos quentes na história e atribuiu a publicação a um “erro da área técnica”, sem valor jurídico, depois de ser duramente criticada por todos os lados. Porém, o erro grave, que editou uma norma publicada no Diário Oficial da cidade, com assinatura do administrador regional, não foi punido com nenhuma exoneração ou sequer abertura de sindicância para apuração dos fatos.

Comerciantes do Guará
O Guará abrange várias áreas, de setores estritamente residenciais a setores industriais ou mistos, como o Polo de Moda e o SOF Sul. Há, em alguns locais, empresas que fizeram grandes investimentos na área de entrenimento e lazeer. Um empresário ouvido pelo Jornal do Guará, que prefere não se identificar, diz que investiu mais de meio milhão de reais na reforma do estabelecimento no SOF Sul para se adequar à Lei do Silêncio e agora teme não poder funcionar depois da meia noite, mesmo não tendo residências próximas. “Estamos reféns do capricho de pessoas que não entendem nada do Guará, estão no cargo unicamente por indicação política. Cometem este tipo de atrocidade com os empresários da cidade e ninguém tem coragem de fazer nada”, declara o empresário do ramo cervejeiro.
O presidente da Associação Comercial e Industrial do Guará, Deverson Lettieri, lembra que uma decisão nesse sentido atenta contra a segurança no Guará. “Emprego está diretamente ligado à segurança. Uma decisão dessa vai fechar vários postos de trabalho e diminuir a renda dos empresários da cidade. Numa crise como a que estamos vivendo, uma medida extrema dessa é temerária e irresponsável”.

Deputados reagem
A última Sessão da Câmara Legislativa antes do recesso do meio do ano, uma das mais cheias de 2018, quando os deputados discutiam a Lei de Diretrizes Orçamentárias, foi interrompida para discutir a Ordem de Serviço. O próprio padrinho político do administrador do Guará, deputado distrital Rodrigo Delmasso, se juntou aos deputados Ricardo Vale e Cláudio Abrantes para criticar duramente a medida. Eles aprovaram um Decreto Legislativo sustando os efeitos da Ordem de Serviço. “O administrador extrapolou suas funções”, afirmou o deputado Professor Reginaldo Veras (PDT), à frente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Chico Vigilante (PT), por sua vez, disse que o administrador regional deveria pedir demissão do cargo. Para o deputado Ricardo Vale, “A Ordem de Serviço Nº. 50, assinada pelo Administrador Regional do Guará, resume nos seus sete artigos os critérios básicos para converter a cidade num mosteiro medieval ou numa caserna, sob a vigilância policialesca, como convêm à imposição de normas autoritárias aqui, como em qualquer outro lugar do mundo. O mínimo que se espera de um governo democrático é que revogue essa monstruosidade produzida por um cérebro medieval e exonere sumariamente o aspirante a tiranete que a assinou”.
Depois de tantas críticas, não restou alternativa ao Administrador Regional a não ser publicar outra ordem de serviço tornando a primeira sem efeito, nesta sexta-feira, 29 de junho de 2018.