Por onde anda Wander Abdalla?

A história do incipiente futebol brasiliense tem poucos personagens de destaque, mas um deles certamente é Wander Abdalla, um dos pioneiros do esporte bretão no Distrito Federal, tanto no amador como no profissional. Ex-presidente do Clube de Regatas Guará, Wander, 83 anos, passou por todos os estágios do futebol, como jogador, treinador e dirigente. Hoje, aposentado, apenas acompanha o que acontece dentro e fora das quatro linhas, mas sempre dando seus pitacos de quem conhece tudo do esporte mais amado pelo brasileiro.
Foi o futebol que trouxe Wander para Brasília e por causa dele continua aqui até hoje, embora fora dos gramados. Mineiro de Conquista (MG), cidadezinha próxima à Uberaba, desde cedo mostrava habilidade com a bola, até ser convidado para fazer um teste no Bela Vista, de Sete Lagoas (MG). Depois de uma discussão com o treinador, ficou fora da excursão que o time iria fazer na Europa. Decepcionado, resolveu tentar a sorte no Goiânia Esporte Clube, mas como o futebol goiano ainda era semiamador, ele teria que ficar parado por dois anos para reverter sua condição de profissional. Era muito tempo para o sonho de fazer da bola sua profissão.
Como estava perto da nova capital, resolveu buscar novas oportunidades em Brasília, que ainda não passava de um canteiro de obras. Pelo menos havia a chance de conseguir um emprego. Na época, o Clube de Regatas Guará, presidido por Oswaldo Cruz Vieira, era o time mais estruturado do futebol brasiliense. Era maio de 1959. Oswaldão era o presidente do Departamento de Topografia Urbana (DTU) e ofereceu emprego a Wander em troca dele ser o técnico do time guaraense. Mas, logo depois, mudou de emprego, para o Departamento de Viação e Obras (DVO), também para treinar o time do órgão público como contrapartida.
Ainda em 1959, foi criada a Liga de Futebol Amador de Brasília, que organizaria o primeiro campeonato oficial na nova capital. Wander foi então convidado pelo presidente do Grêmio Esportivo Brasiliense, Moacir de Souza, para ser o treinador do time que viria a ser o primeiro campeão de futebol candango. Mas, preocupado com o futuro e vendo que o futebol no DF não lhe daria o sustento necessário, foi trabalhar no Departamento de Rede Elétrica e Telefone (DRTE), onde tinha como função fiscalizar os serviços da Empresa Brasileira de Engenharia (EBE), que fora contratada pelo governo para implantar toda a rede elétrica de Brasília. Foi quando resolveu montar um time do departamento. Responsável pela montagem da equipe que iria trabalhar no DRTE, Wander espertamente passou a selecionar somente quem tinha perfil ou experiência como jogador de futebol. O primeiro uniforme foi patrocinado pela EBE, que tinha sede no Rio de Janeiro. Do futebol carioca vieram alguns reforços indicados pela empresa, alguns com experiência de ter jogado em times da cidade maravilhosa. Surgiu então a ideia de propor à diretoria do Departamento de Força e Luz (DFL) a criação de um time do órgão, sugestão aceita e colocada em prática em 1960. Nascia ali o famoso “Defelê”, um dos mais tradicionais times da história do futebol brasiliense.

Trouxe seu Didi

Como já se tornara um dirigente, Wander resolveu contratar um técnico de ofício para o time, e foi na cidade de Ponte Alta (MG) buscar Didi de Carvalho, na época muito conhecido no futebol mineiro, especialmente dos times do Triângulo (Uberaba, Uberlândia e Araguari). No primeiro ano sob o comando dos dois, o Defelê foi campeão do DF. Seu Didi, pai dos ex-jogadores de Péricles “Pezâo” e Wander, que jogaram no Guará, Gama e outros times brasileiros, acabou também fazendo história no futebol brasiliense.
Ainda com Wander no comando e também como jogador, o Defelê foi bicampeão brasiliense em 1961 e tricampeão em 1962, quando ele resolveu transferir sua experiência para o time da cidade satélite do Cruzeiro.
Metódico e apaixonado por futebol, mas sem jamais abrir de suas convicções, Wander começou a vida de cigano do futebol de Brasília e do Entorno. Foi campeão como jogador, treinador, diretor de futebol e foi fundamental para o surgimento de muitos jogadores no DF, como Renaldo (Atlético Parananense e Atlético Mineiro), Anderson (Guará, Gama e Fluminense) e Gerson (Guará, Gama e Guarani de Campinas).

Volta ao Guará

A história de Wander no CR Guará recomeçou em 1983, como gerente de futebol durante a participação do time na Taça de Prata, que viria a se transformar na Copa do Brasil. Depois de passar pelo Taguatinga e pelo Gama de 85 a 87, foi convidado pelo administrador regional do Guará, Francisco Brandes, para assumir o Lobo da Colina com a renúncia do então presidente Marcelo Poli. Audacioso, inaugurou a tradição do clube de trazer jogadores famosos e em fim de carreira para jogar aqui – vieram Beijoca, do Bahia, e Ailton Lira, que havia sido titular do Santos e do São Paulo e recheou o time com Ataliba e Mauro (ex-Corinthians) e Dema (ex-Santos). O técnico era ninguém menos que o bicampeão mundial Djalma Santos.
Com o fim do mandato como presidente do Guará, foi ser gerente do Sobradinho em 94 e comodoro do Motonáutica em 95. Voltou a ser gerente de futebol do Guará em 98, convidado pelo então presidente do clube, Divino Alves, dois anos depois do Lobo ser campeão do DF. Mas o clube já estava em decadência e sofria a influência maléfica da política. Ainda retornou ao Guará em 2002, mas novamente não conseguiu reerguer o clube, já na segunda divisão do futebol brasiliense. Depois de novamente trabalhar no Sobradinho, parou com o futebol em 2004. E de 2008 a 2010, trabalhou na administração do estádio Mané Garrincha.
Aposentado e morando no Plano Piloto desde janeiro deste ano depois de mudar -se do Guará, Wander apenas acompanha o futebol pela TV e de vez em quando vai aos estádios, mas, diferente do que foi na sua época, não tem muito o que apreciar no atual futebol brasiliense. Como está no grupo de risco, por causa da idade, cumpre quase rigorosamente o confinamento social por causa da Covid. “Nunca assisti tanto futebol na TV”, conta. O importante é que do futebol, não se afasta.