Tia Joana do Lúcio Costa

Figura emblemática, a líder comunitária está atenta a todas as necessidades de sua comunidade e não se cansa de trabalhar para ela

Joana de Jesus de Oliveira é uma baiana “arretada”, no sentido literal da palavra: corajosa, valente e destemida. Dona Jô do Lúcio Costa, como é conhecida em todo Guará, não nega suas origens, pelo contrário se enche de orgulho ao contar de sua infância humilde no sertão baiano e do seu trajeto difícil até chegar no Distrito Federal. Contudo, o que enche seus olhos de lágrimas de emoção e orgulho é a quadra Lúcio Costa, onde reside há 30 anos dos seus 70 de vida.

Vítimas da seca no sertão baiano, Jô e sua família vieram para o Centro-Oeste quando ela tinha sete anos de idade. A mudança, transportada em um caminhão “pau de arara”, não teve um bom desfecho. Na divisa dos estados da Bahia e Goiás o caminhão tombou, matando o pai e uma irmã dela. A família se estabeleceu em Anápolis por um período, e depois, a mãe, muito determinada, trouxe a família para o Distrito Federal para tentar a vida na capital que estava sendo construída. Na casa onde moravam eram só mulheres: Jô, sua mãe, a avó, irmãs e tias.

Taguatinga, Vila Planalto, QE 28 do Guará, foram algumas das localidades onde a família morou. Porém, em 1987, tanto Joana quanto sua irmã foram sorteadas no programa de desenvolvimento habitacional do governo. Cada uma recebeu um apartamento na Quadra Lúcio Costa, e a família se dividiu nos dois endereços próximos um do outro.

 

Emoção ao conhecer a quadra

Emocionada, com os olhos rasos d’água e a voz embargada, Jô se lembra exatamente do dia em que esteve pela primeira vez na quadra. Após conhecer seu apartamento, ela saiu do prédio – de frente tinha um grande gramado, bem verde, poucas árvores plantadas – local que atualmente é a Área Especial I – e ajoelhou-se e agradeceu o presente.  Era uma recompensa para uma mulher trabalhadora, que havia sido ensinada pela mãe a nunca invadir terreno público, ainda que aquilo fosse comum à época, e mesmo com a vida simples que levavam, souberam esperar, e o sonho de ter sua própria residência aconteceu.

A partir de então, trabalhando em diversos segmentos (de doméstica à maquiadora do Miss Brasil), viajando, além outros compromissos pessoais, Jô se envolveu profundamente com as necessidades da sua comunidade. No começo, problemas de infraestrutura, como falta de linhas telefônicas, pouca iluminação e falta de segurança deram impulso para a personalidade “arretada” da baiana começar seu papel nato de líder comunitária. Apesar de nunca ter aceitado a presidência da Associações de Moradores do Lúcio Costa, ela está há 30 anos intrinsecamente ligada às causas sociais dos cerca de 8 mil moradores da quadra.

Certo dia, assim que se mudou para o novo apartamento, Joana voltava de um show sozinha. Passando por um trecho escuro, um homem mexeu com ela, e, na mesma hora, ela tirou o sapato e ameaçou bater nele e saiu correndo na escuridão. Joana se livrou do suposto marginal, mas no outro dia foi até a Administração do Guará solicitar a construção de um posto policial na região. “Para a construção, fui atrás dos empresários da quadra e do Guará em busca de doação de material. Depois do posto construído, corri atrás de viaturas, até conseguir uma Kombi velha utilizadas nas rondas policiais, depois quatro bicicletas também para os policiais trabalharem. Com um novo governo, outro posto foi construído e o antigo substituído, anos depois foi incendiado por malandros e está tudo abandonado, para a tristeza da comunidade”, conta a líder comunitária.

Novas lutas

Graças à Associação dos Moradores da Quadra Lúcio Costa (Ampluc), muitas benfeitorias têm sido alcançadas para a população. Uma das mais desejadas por Jô foi a creche pública que leva seu nome, instalada na área especial I há 31 anos onde, atende mais de 70 crianças carentes – existe uma outra creche pública na quadra. “As próximas metas, serão as construções das escolas de primeiro e segundo graus, que já tem espaço predeterminado no projeto do arquiteto e urbanista que deu nome à quadra, Lúcio Costa, mas por enquanto a população não vê sinais de que isso acontecerá”, informa.

A história de dona Jô se confunde com a da quadra, como ela mesma resume: “Esse lugar é muito bom, eu amo isso aqui, e enquanto eu estiver por aqui eu vou lutar. Como dizia o próprio Lúcio Costa – fiz isso por amor – eu também amo loucamente essa quadra.”  Ela avisa que está de olho nos governantes e na sua comunidade, está pronta para reivindicar por serviços que forem necessários como segurança, construção de escola e melhorias na iluminação pública.

Há oito meses longe da sua Lúcio Costa por conta da pandemia, na casa de uma das irmãs em Sobradinho, Jô estará de volta à quadra na próxima semana. “E já vou chegar brigando. Queremos reativar o posto policial, que está fechado e prestes a ser invadido. Vou aporrinhar todo mundo até conseguir”, diz ela, sorrindo.