Império do Guará sonha alto depois de crises internas

Escola de samba da cidade completa 32 anos na elite do carnaval de Brasília. Meta é montar estrutura e buscar terreno para sede

Depois de amargar o limbo durante oito anos e passar por sérias crises internas, a escola de samba Império do Guará busca forças para renascer das quase cinzas e não deixar mais a elite do carnaval brasiliense, para onde retornou em 2014 depois de se sagrar campeã do grupo de Acesso. O desafio é grande. Para começar, a diretoria que assumiu a escola em 2017 alega que nada recebeu de patrimônio ou acervo da diretoria anterior. O outro desafio é encontrar um local para promover os ensaios e oficinas de bateria e dança, depois que perdeu o direito de ocupar o terreno que havia sido destinado provisoriamente a ela pela Administração do Guará no Cave.

Essa retomada passa pelo retorno da velha guarda da escola, incluindo os fundadores, que alega  ter sido banida pela diretoria anterior, de acordo com o atual presidente Edvaldo Lucas da Silva e o fundador e atual diretor financeiro e ex-presidente da escola por cinco vezes, Luis Carlos Nunes de Oliveira, o Cacais.

“Estamos juntando os cacos para reconstruir a Império. A nossa pretensão não é apenas manter a escola na divisão principal, mas buscar nosso primeiro título da história”, sonha o presidente Edvaldo. Azar – ou sorte – é que não houve desfile nos últimos anos – o último foi em 2014 -, o que está ajudando a Império se reestruturar, de acordo com a diretoria. Além da aquisição de instrumentos e equipamentos, a verde-e-branco vai continuar a busca por espaço definitivo ou temporário para os ensaios e outras atividades. Sem dinheiro em caixa e sem fonte de renda, a esperança da diretoria é o recurso que será destinado ao segmento cultural pelo Ministério da Cultura através da Lei Aldir Blanc. Outra alternativa, mas a longo prazo, é o projeto aprovado através da Lei Rouanet, de incentivo fiscal a quem investir em projetos culturais, que prevê arrecadar R$ 4 milhões para a Império se estruturar para os próximos desfiles e carnavais. “Essa arrecadação, entretanto, vai depender do retorno dos desfiles das escolas de samba para que possamos convencer as empresas a investir no projeto”, explica Cacais.

Brigas internas

A Império tenta se reequilibrar depois de uma briga interna que quase comprometeu o seu futuro. Enquanto a chamada velha guarda alega que tinha sido banida da escola na diretoria anterior, o outro lado nega e acusa o grupo antigo de irregularidades financeiras no período em que ficou no comando. “Eu era o responsável pelos carros alegóricos e fui simplesmente tirado da função sem maiores explicações pelo Mário e sua família”, reclama Edvaldo. “A diretoria dele não devolveu os instrumentos da bateria”, completa.

Mário Santos, por seu lado, garante que nunca retirou a velha guarda da escola. “O que fizemos foi trazer pessoas novas para oxigenar a nossa gestão, depois que descobrimos várias irregularidades cometidas pelas gestões anteriores, que, ainda por cima, fez a Império passar vergonha a ponto de quase fechar as portas. Quando assumimos, a Império desfilava no grupo dos blocos de enredo, terceira divisão do carnaval de Brasília, e a deixamos na elite. No nosso primeiro desfile, tivemos que contar com todos os nossos familiares e amigos para conseguir os 350 integrantes, quórum mínimo para uma escola desfilar. Em 2014, quando fomos campeões, eram mais de 700 integrantes”, rebate Mário.

Na gestão de Mário, a Império quase chegou ao Grupo Especial já em 2013, ao ficar em terceiro lugar no desfile das escolas.

Em relação aos instrumentos, Mário explica que eles haviam sido emprestados por uma ONG de Ceilândia que trabalha com meninos de rua e teve que devolvê-los depois. “Outra coisa, não foi o Conselho que pediu nossa saída da diretoria, fomos nós que resolvemos sair por causa da pressão desse grupo. Estava ficando difícil trabalhar com tanta ingerência externa”, completa.

“Pegamos a escola sem nenhuma estrutura. Com problemas na diretoria e mais de R$10 mil de dívidas. Fizemos um trabalho consciente e lento, para voltarmos ao Grupo Especial. Quando assumimos, a escola tinha oito peças de bateria, sendo dois surdos amassados”, conta o ex- vice-presidente José Maria de Castro.

Na gestão de Mário e Zé Maria, a Império chegou a conseguir a autorização da Administração do Guará para ocupar provisoriamente uma área entre o kartódromo Ayrton Senna e a antiga Casa da Cultura, e chegou terraplenar e cercar o terreno, onde pretendia erguer um galpão para oficinas, palestras, ensaios e confecção de alegorias e adereços, mas a gestão posterior do governo desfez o acordo, alegando que não havia embasamento legal para cessão de área pública. “Recorremos judicialmente para manter o acordo, mas perdemos porque a Justiça alegou que a cessão não tinha sido publicada em Diário Oficial”, afirma Edvaldo. “Mas não desistimos de buscar uma área para a escola”, garante Edvaldo, que acusa o deputado distrital Rodrigo Delmasso, padrinho político da Administração do Guará, de “má vontade em atender à escola por ser evangélico”.  “Para a igreja dele, tudo. Mas, para o samba, nada”, ataca.

 

História da Império do Guará

A Império do Guará origina-se do Bloco Processamba, formado por servidores do Serpro em 1988. No mesmo ano, um grupo de moradores transformou o bloco no Grêmio Recreativo Carnavalesco Império do Cerrado, com sede na quadra de esportes ao ar livre entre as QEs 34 e 36 do Guará II.

Consta na ata como fundadores: Luis Carlos Nunes de Oliveira, Ronny Ferreira Soares, Everaldo Lucas da Silva, Mario Antonio de Oliveira Santos, Francisco Gouveia Pereira Júnior, Irani Marinho Oliveira, Rinaldo Marinho Oliveira, Itamar de Lima e Silva (falecido), Wilmar de Lima e Silva, Carlos Leite da Silva, Edvaldo Lucas da Silva, Wirlaeni Cácio de Sousa Santos, Mauro Magno da Silva Vale, George Tadeu Guterres Coelho, Nivaldo Lucas da Silva, Paulo Euzébio Carneiro e Maria Teresinha Ferreira.

Em 1989, com recursos próprios como determinava o regulamento da Associação dos Blocos e Escolas de Samba do Distrito Federal, para serem reconhecidas, apresentou-se pela primeira vez na avenida, quando ficou  na sexta colocação.

Em 1990, o Império do Cerrado, já como bloco carnavalesco reconhecido pela associação, obteve o quarto lugar. Em 1991, arrematou novamente a quarta colocação dos Blocos. Em 1992, a escola obteve sua melhor colocação como bloco carnavalesco, em  terceiro lugar.

Em 1993, 1994 e 1995, não houve desfile carnaval em Brasília. A partir de  1996, uma série de desentendimentos internos, com disputa de poder entre grupos, quase acabou com a escola, que foi rebaixada para o segundo grupo em 2000.

A situação da Império somente começou a melhorar em 2011, quando o grupo liderado por Mário Santos, um dos fundadores, e o líder comunitário da QE 9, José Maria da Silva, assumiu o controle e instituiu o nome “Império do Guará” – o nome oficial continuou sendo Grêmio Recreativo Império do Cerrado. Tudo ia bem até 2014, quando a escola foi campeã do grupo de acesso, mas outra divergência interna quase levou a escola a pique, quando a diretoria presidida por Mário resolveu afastar a velha guarda, principalmente os fundadores, da bateria e das alas. Mas a decisão foi contestada pelo Conselho Deliberativo, que decidiu pedir a destituição da diretoria da época e entregar o comando ao grupo antigo. A Escola passou a ser presidida por Edvaldo Lucas da Silva, que está no segundo mandato à frente da Império.