Carros perdem espaço para bicicletas na via central

Implantação de uma ciclofaixa em todo o percurso das duas pistas do centro do Guará II surpreende e intriga motoristas

Sem que a população fosse avisada, de repente trabalhadores começaram a demarcar uma nova pista, cercada por blocos de concreto, na via central do Guará II, na altura da QI 23, logo depois da estação Guará do Metrô, no sentido da 4ª Delegacia de Polícia e QI 25. Nem mesmo uma placa, daquelas que explicam do que se tratam as obras públicas, foi instalada onde começaram os serviços. Mesmo surpresa com a obra, a população, principalmente os motoristas, não se incomodou, porque, em princípio, parecia se tratar da demarcação de uma pista para uso de bicicleta, semelhantes às que foram implantadas em Águas Claras. Mas a indignação começou a tomar conta dos motoristas depois que a demarcação avançou para a metade das duas pistas que formam cada lado da via central do Guará II.
Nas redes sociais, vieram os questionamentos e críticas. Ninguém sabia do que se tratava a obra. Motoristas reclamam que o trânsito vai piorar ainda mais, principalmente nos horários de pico. Moradores querem saber do que se trata a obra. Consultada pelo Jornal do Guará, a Administração Regional respondeu que também não sabia o que estava sendo feito e nem qual o órgão responsável pela intervenção na via central, o que aumentou mais ainda a curiosidade dos moradores.
Com base na Lei de Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a fornecer informações à imprensa e aos moradores quando elas não estão transparentes, a reportagem do Jornal do Guará voltou a questionar a Administração Regional, que encaminhou a demanda à Secretaria de Comunicação do GDF.
De acordo com a resposta do governo, a implantação de uma ciclofaixa na via central do Guará II estava sendo coordenada pela Secretaria de Desenvolmento Urbano e Habitação (Seduh), como parte de um acordo de compensação ambiental com as empresas que foram favorecidas por medidas que permitiram a construção de grandes edifícios residenciais na orla do Guará II (ver reportagem ao lado). “A obra faz parte de um conjunto de medidas, resultantes do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) da Avenida Central e do Contorno do Guara II, a serem adotadas por empresas com empreendimentos na região, como forma mitigadora e compensatórias às obras. O EIV em questão é de 2008 e vinha sendo acompanhado pela Comissão Permanente de Analise de EIV – CPA/EIV, que é formada por representantes de diversos órgãos e empresas do Poder Executivo (SEDUH, Secretaria de Obras, Secretaria de Obras, Detran e Novacap). Com a demora na implementação das medidas, em 2017, o Tribunal de Contas do Distrito Federal – TCDF, determinou que a então Secretaria de Estado de Gestão Territorial e Habitação – SEGETH apresentasse Plano de Ação para efetivar a assinatura do Termo. Ressaltamos que o EIV passou por audiência pública e foi aprovado pelo ConSelho de Planejamento do Distrito Federal (Conplan)”, diz a nota encaminhada ao Jornal do Guará.

Audiência Pública aprovou obra

Como a nota deixava várias dúvidas, a reportagem solicitou uma entrevista com algum técnico da Seduh ou dos outros órgãos envolvidos, mas não foi atendida. Novamente questionada sobre a audiência pública informada – quando e onde teria sido realizada –a assessoria da Seduh encaminhou imagens de trechos do processo, em que consta a informação que ela teria sido realizada no dia 27 de setembro de 2011, às 18h, na Administração Regional do Guará.
Considerados “ratos” de audiência pública no Guará, aqueles que não perdem uma sequer, os líderes comunitários Klécius Oliveira e José Gurgel garantem que não se lembram dessa audiência para discutir o assunto. “Que eu saiba ou me lembre, não deixei de participar de nenhuma audiência para tratar de assuntos do Guará. E mesmo se tivesse havido, não iríamos permitir que esse absurdo fosse autorizado pelos moradores”, afirma Klécius. “Nunca participei de audiência so-bre esse assunto. Estão querendo justificar uma besteira que estão fazendo, transferindo a responsabilidade para os moradores”, completa Gurgel. Mas, em consulta na Internet ao Diário Oficial do DF do dia 29 de novembro de 2011, comprova-se que a audiência pública realmente existiu, entretanto, de acordo com os depoimentos das intervenções que constam na ata, o público foi constituído de lideranças comunitários que reivindicavam na época a destinação da Expansão do Guará (QEs 48 a 58) para as cooperativas habitacionais, embora o assunto tratado, o das compensações, tenha sido o único da reunião.
A assessoria da Seduh encaminhou também imagem da parte que garante o Estudo de Impacto de Vizinhança e da Avenida Central do Guará II, aprovado pela Comissão Multisetorial instituída pelo 32.921/2011, do Conselho de Planejamento (Conplan), na 96ª reunião ordinária do dia 15 de setembro de 2011.

 

Compensação prevê obras de melhorias no valor de R$ 5 milhões

Um conluio entre donos de terrenos no lado par da orla do Guará II, membros do governo Maria de Lourdes Abadia (que concluiu o governo Joaquim Roriz) e alguns deputados distritais durante a votação do Plano Diretor Local (PDL) do Guará em 2006 permitiu a construção de edifícios de até 75 metros ou 26 andares na orla do Guará II. O limite proposto no PDL e discutido pela comunidade durante duas audiências públicas era de 26 metros de altura, o que correspondia a 10 andares, em toda a cidade mas, na última votação da agenda da Câmara Legislativa, em dezembro de 2006, às 2h da manhã, sem que a comunidade e imprensa ficassem sabendo com antecedência, foi aprovada a emenda que triplicava esses limites.
O conluio foi estrategicamente incluído na agenda da última votação do ano e da gestão da Câmara Legislativa (em 2007 tomariam posse os novos deputados distritais eleitos) e do governo (que já tinha eleito José Roberto Arruda), para que não houvesse tempo e condições da alteração ser revista. Assim que tomaram conhecimento da negociata (por causa da suspeita de envolvimento de pagamento de propina aos membros do governo e aos deputados distritais que votaram a favor), as lideranças guaraenses passaram a protestar contra a aprovação da emenda, que era bem diferente da proposta apresentada pelo governo nas duas audiências públicas no Guará. Até o Ministério Público tentou intervir ao propor a nulidade da votação, com base na falta de discussão com a comunidade, mas a Justiça não aceitou o pedido. Pressionado, o então governador eleito José Roberto Arruda chegou a encenar a revogação da emenda, ao publicar o Decreto 29.406, de 15 de agosto de 2007, alterando os limites para 56 metros de altura na orla e 36 metros (12 andares) na via central do Guará II e 26 metros no Setor de Oficinas Sul, apelidado depois de “Park Sul”.

A proposta da edição do decreto foi apresentada a Arruda pelo recém-eleito presidente da Câmara Legislativa, deputado distrital Alírio Neto (que não fazia parte da gestão que aprovou o PDL do Guará), sob o argumento de que a população guaraense estava preocupada com os riscos da falta de controle da verticalização da cidade, o que poderia provocar um desiquilíbrio arquitetônico, principalmente no Guará II, e fortes impactos na infraestrutura ao longo da orla. Entretanto, a edição do decreto provocou forte reação das incorporadoras que já haviam aprovado vários projetos com as novas medidas aprovadas pela Câmara Legislativa e não aceitavam a “mudança das regras no meio do campeonato”. Descobriu-se depois que o próprio governador Arruda e o deputado Alírio Neto sabiam que o decreto seria facilmente considerado inconstitucional pela Justiça e mantida a consequente manutenção do PDL aprovado. Dito e feito. Mas, para amenizar a ira da população, os dois negociaram com as incorporadoras um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), com a intermediação do Ministério Público, em que elas se comprometiam a destinar um determinado valor, na época cerca de R$ 1,2 milhão, para investimentos na cidade como “compensação”. O acordo incluía as incorporadoras que estavam investindo na orla do Guará II e no SOF Sul (também região administrativa do Guará). Mas, por falta de projetos técnicos e de vontade política dos governos subsequentes de Rogério Rosso, Agnelo Queiroz e Rodrigo Rollemberg, o compromisso não foi cobrado, até ser restabelecido pelo governo Ibaneis e anunciado para implantação a partir deste ano. Em valores atualizados, a cidade vai receber mais de R$ 5,2 milhões em investimentos, principalmente na orla do Guará II, onde houve maior impacto com as construções acima do padrão da cidade.

Como será a compensação

O anúncio da retomada do acordo foi feito em outubro de 2020, quando o governo Ibaneis anunciou que havia concluído a aprovação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), definido melhorias, prazos para intervenções e aguardava a assinatura do novo Termo de Compromisso com as incorporadoras. Em valores corrigidos são exatos R$ 5.225.176,59, com entrega das melhorias em até 14 meses, a contar da data do anúncio, ou seja, outubro de 2020.
Entre as obras previstas estão a ampliação das faixas de acomodação nos retornos; mudanças no ciclo semafórico na interseção do Guará I com o Guará II; realocação das faixas de pedestres; requalificação da avenida central, com ciclovia, calçadas e acessibilidade (obra em execução); implantação de sistema viário e paisagismo da praça da EQ 23/25 (onde estava o Circo Vitória).

Artigo

Os projetos de ciclovia e coopervia no Guará são um desastre

Jornalista e radialista Luciano Lima, amante e praticante de ciclismo

A ciclovia é um espaço destinado apenas ao fluxo de bicicletas e ciclistas. Uma separação física deve isolar os ciclistas dos demais veículos e pedestres. A separação pode ser feita de várias maneiras, com grade, mureta, meio fio, blocos de concreto etc. Em geral, a ciclovia também tem uma cor diferente. O uso da ciclovia está mais presente em vias expressas e avenidas, protegendo o ciclista do tráfego intenso e rápido e evitando que os motoristas adentrem nessa via exclusiva.


A ciclofaixa, diferentemente da ciclovia, não tem separação física. É apenas uma faixa pintada no chão. Podem existir “olhos de gato” ou tartarugas para separar a ciclofaixa das faixas de ônibus, por exemplo. Em geral, o uso da ciclofaixa é mais indicado em locais nos quais o trânsito de veículos é menos veloz. Além disso, implementar uma ciclofaixa é bem mais barato do que uma ciclovia, pois utiliza a estrutura viária existente, por isso ela costuma aparecer mais frequentemente em diferentes cidades.
Em relação ao que está feito no Guará, não existe um projeto sério, coerente, técnico e correto de mobilidade urbana que favoreça todos os modais. As ciclofaixas, que são pouquíssimas, e as ciclovias S está sendo feitas de qualquer jeito. E só quem perde é a população que não tem o poder de escolha. Se o poder público fizesse sua parte, teríamos uma cidade mais humana e mais integrada.
No Guará, os projetos de coopervia e ciclovia são um desastre completo. Além de não serem sinalizadas, oferecem um perigo imenso para os frequentadores, pois muitas quadras não têm recuo para que o “mais forte” respeite o “mais fraco. É preciso campanhas educativas e ação com obras que realmente façam que implemente um projeto sustentável, estruturante e edificado de políticas de mobilidade urbana.
Projeto de mobilidade que não respeita todos os modais (carro, transporte público, quem anda a pé, de bicicleta, de moto) não é projeto de mobilidade urbana
Os projetos de mobilidade urbana no Guará e no DF estão sendo feitos a toque de caixa e de qualquer jeito. Precisa ter vontade política e compromisso com o coletivo.