Há mais de três décadas, o Guará ganhava os seus setores industriais e comerciais. Antes, apenas com o Setor de Oficinas, em 1989 nascia a QE 40 e dez anos depois o Polo de Moda. O setor, que deveria ser o motor econômico da cidade, acabou tendo sua finalidade desvirtuada ao longo do tempo. Boa parte dos lotes industriais e comerciais viraram prédios de residências. E mesmo aqueles que mantiveram o uso para o qual foram projetados, nunca conseguiram ser regularizados.
“Desde a criação da QE 40 até hoje foram criadas muitas leis na tentativa de regularizar a situação dos imóveis, mas percebi também que, além da burocracia e exigências criadas a cada nova legislação, a mudança na realidade das empresas e a desinformação dos empresários contribuíram para o cenário atual de irregularidades”, explica a advogada e consultora para o Pró-DF, Gláucia Veloso.
Ela faz parte da nova Prefeitura Comunitária da QE 40, e, ao lado do presidente da instituição, Ronaldo Silvestre, tem buscado formas de garantir melhorias para a região. Afinal, a mudança de destinação da área trouxe muito incômodos. Como as quadras não foram projetadas para receber residências, a infraestrutura não atende à enorme quantidade de pessoas que vivem ali. É preciso rever o trato com os resíduos gerados pelos moradores, que se acumulam nas calçadas da quadra, a oferta de água potável e energia elétrica, e o trânsito da região. As ruas estão sufocadas por carros estacionados e impedem o fluxo de caminhões de serviços públicos e ambulâncias.
Parte destes problemas podem ser resolvidos com a regularização dos lotes. Afinal, devidamente documentados, é possível que os proprietários voltem a investir no setor.
Em busca de uma solução, o Governo do Distrito Federal acaba de sancionar a lei 7.312/2023. O novo texto impacta diretamente centenas de empresários na QE 40 e Polo de Moda do Guará. Como boa parte dos lotes foi entregue com os benefícios desses programas, e poucos empresários conseguiram cumprir suas obrigações, ainda existem muitas construções que não são regularizadas na quadra. “A nova lei é a terceira e última etapa do ciclo de regularização de programas de desenvolvimento iniciado pelo GDF em 2019; melhora o cenário de segurança jurídica das empresas ativas e também permitirá à Terracap a celebração de milhares de novas escrituras no âmbito do Programa Desenvolve-DF ao longo dos próximos anos, resolvendo situações históricas”, resume o diretor de Regularização Social e Desenvolvimento Econômico da Terracap, Leonardo Mundim. “A nova lei melhora o cenário de segurança jurídica das empresas ativas e também permitirá à Terracap a celebração de milhares de novas escrituras no âmbito do Programa Desenvolve-DF ao longo dos próximos anos, resolvendo situações históricas”, completa.
O problema
A especialista Glaucia Veloso tem ajudado empresários do setor a regularizar seus lotes. Filha de empresários instalados no local há 28 anos lá, a advogada acredita que cerca de 90% dos lotes não estejam regularizados. Os imóveis situados na QE 40 foram disponibilizados aos empresários por meio do programa PROIN (Lei nº 6, de 29 de dezembro de 1988), o primeiro programa de desenvolvimento econômico do Distrito Federal, introduzido durante a gestão do governo Roriz. Posteriormente, passou por modificações com a Lei nº 289, de 3 de julho de 1992, quando o programa foi renomeado como Prodecom, embora sem alterar as regras para os empresários. Esse programa se caracterizava por sua acessibilidade e falta de rigor nas exigências para obter benefícios econômicos, principalmente na forma de descontos na aquisição dos imóveis incentivados. “Contudo, a aplicabilidade da lei não foi tão simples, porque a falta de infraestrutura das áreas de desenvolvimento, a dificuldade na emissão das documentações exigidas, tanto para o programa quanto para a edificação dos imóveis para a implantação das empresas, a burocracia e a morosidade na gestão do programa, fez com que os empresários se preocupassem mais com a subsistência de suas empresas do que com a regularidade do imóvel. Do outro lado o fracasso do programa fez com que o governo paralisasse os processos até que se editasse nova legislação que resolvesse todas as lacunas da legislação primária”, explica Gláucia.
Cada novo governo implementou legislações com o objetivo de resolver problemas encontrados nos programas anteriores. No entanto, essas novas leis também introduziram novas regulamentações para os empresários beneficiados pelos programas anteriores, o que não foi bem recebido e resultou na suspensão da aplicação das leis mais uma vez. A partir de 2019, quando o atual governo tomou posse, uma iniciativa foi lançada para revisar todos os Programas de Desenvolvimento Econômico, incluindo PRO-IN, PRODECON, PRO-DF I e PRO-DF II. Encabeçando essa empreitada, o diretor de Regularização Social da Terracap, Leonardo Mundim, promoveu diversas audiências públicas em diferentes cidades para colher as demandas dos empresários e incorporar o maior número possível de soluções na legislação.
A regularização
Somente em dezembro de 2019, a lei 6468/2019 foi aprovada e sancionada, recebeu redação complementar com a lei recém-aprovada, foi regulamentada pelo Decreto 41015/20. Na QE 40 é possível regularizar os lotes oriundos dos programas de incentivo do governo dependendo de cada situação. Para os beneficiários originais, aqueles que receberam os lotes no início e continuam o ocupando, é possível fazer a convalidação do programa. Ou seja, é possível começar do zero no programa de incentivo e receber desconto de 80% no valor do lote ao final. Então, a empresa que gerar mais de dois empregos diretos, durante seis meses, já tem direito ao desconto. Para aqueles lotes que foram vendidos, mas ainda há empresas funcionando neles, é possível fazer a mesma convalidação com a transferência do benefício para o novo dono. Só é preciso comprovar a cadeia de dominial do lote, mostrando que foi repassado para o novo ocupante legalmente.
Prédios residenciais
A mudança principal da nova lei é justamente possibilitar a regularização dos prédios residenciais da região. Mesmo se não houver empresa funcionando no local e o dono original não tiver interesse, é possível que os atuais ocupantes regularizem a situação do lote. Apenas é preciso criar uma associação de moradores, ou uma Sociedade de Propósito Específico, e requerer à Terracap a licitação do lote. “Organizar os moradores em uma associação é uma saída mais inteligente, pois já é o embrião de um condomínio formal, que pode deliberar não apenas sobre a regularização, mas sobre todos os aspectos do convívio entre vizinhos”, complementa Gláucia Veloso. O valor da licitação será referente para o lote nu, avaliado pela Terracap. Os moradores precisam dar uma entrada de 5% do valor e podem dividir o restante em 120 meses, além de ter preferência de compra. Se acontecer de outra pessoa ou empresa, sem relação com o lote, vencer a licitação, está obrigada a indenizar os atuais ocupantes por toda a infraestrutura do local. Após a compra do lote, é emitia a escritura e posteriormente é possível requerer a emissão do Habite-se, com as devidas adequações no projeto e trâmites necessários. O que possibilita que as escrituras sejam individualizadas. É uma solução para quem comprou apartamentos na região e não tinham a documentação adequada para comprovar a posse.
Dessa forma é possível que os moradores da quadra possam ser donos formais de seus imóveis. Escriturados, podem ser herdados, alienados, vendidos e alugados legalmente. O que vai causar uma mudança no perfil dos moradores da região, ocupada hoje por inquilinos de curta temporada.